Ana Carolina Helena

Casas Caiadas de Branco

Categorias: Arquitetura

Casas Caiadas de Branco |  Ana Carolina Helena  . Arquitecta

Mafra, dos casais saloios agrícolas, das idas a banhos reais e do veraneio, é hoje, também, um concelho urbanizado, casa de um número crescente de habitantes.

A modernidade é inegável e de acompanhar, mas o que será da nossa “paisagem” identitária “se o tecnicismo” acabar “por se tornar avassalador”? – perguntava Raúl Lino (1878-1974), conhecido arquitecto português, em Arquitectura, Paisagem e Vida (1957), onde me inspirei para baptizar esta coluna. Se deixar de nos contar a história do que fomos para melhor compreendermos quem somos? – acrescento eu.

Assim, para este primeiro texto e porque estamos em Agosto, escolhi falar de uma tradição que era prática comum no nosso concelho nesta altura: caiar as casas de branco. Desde miúda, oiço a minha avó e a minha tia lembrar este preceito que tinha lugar pelas festas de Nossa Sra. Do Monte Carmo na Venda do Pinheiro, no último Domingo deste mês.

Depois da casa esmeradamente limpa, compravam-se as pedras de cal na “estância do Sr. Lavos”, onde se arranjava tudo para a construção. A pedra era “caldeada dentro de um recipiente com água” e desfazia-se ao ferver. Dava-se uma ou mais demãos, “conforme a necessidade” e, para finalizar, “aplicava-se uma barra azul” ao redor da casa. Por dentro, o processo era similar, à excepção da cozinha, onde à cal se juntava “uma argila ocre”, para não “se notar tanto o sujo” em torno do lume.

Em desuso, por requer maior manutenção do que as actuais tintas plásticas, é importante lembrar que a cal continua a ser uma opção económica e natural, livre de substâncias tóxicas inaláveis. Por ser porosa, permite que a construção “respire”, sendo uma aliada contra as manchas de humidade que tão insistentemente aparecem nas nossas fachadas. E claro, um modo acessível de preservar o belo casario tradicional!

Artigo de Opinião © Ana Carolina Helena Arquitecta, Venda do Pinheiro

(Texto escrito de acordo com a antiga ortografia, originalmente publicado na coluna “Arquitectura, Paisagem e Mafra” do jornal local “O Carrilhão”, a 1 de Agosto de 2020)

 

Foto – (A casa caiada das histórias da minha avó e da minha tia, possivelmente no fim da década de 70, com uma saloia “de gema” em primeiro plano, Isidora da Conceição)

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