Comunidade Intermunicipal (CIM), uma região-cidade para o século XXI

Categorias: Território

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As grandes transições do século XXI e os seus impactos sobre a coesão territorial recolocam as CIM num novo patamar de gestão municipal, se quisermos, como uma autarquia de 2º grau ou, então, como a região-cidade do século XXI e o ator-rede encarregado da nova economia dos bens comuns colaborativos (economia BCC). Vejamos mais de perto alguns aspetos desta nova estrutura de missão que é a CIM, com especial incidência nas áreas de baixa densidade (ABD). Em primeiro lugar, as novas conexões cidade-campo (1), em segundo lugar, o sistema produtivo local e o hibridismo da 2ª ruralidade (2) em terceiro lugar, a oferta integrada de bens comuns ou economia BCC (3), em quarto lugar, a economia digital e o movimento starting up (4), por último, os signos distintivos e a economia do simbólico e cultural (5).

 

1. As novas conexões cidade-campo

A tabela que apresento é um exemplo simples desta nova conexão cidade-campo.

 

Mais campo na cidade*  Mais cidade no campo*
. Agricultura vertical

. Telhados e paredes verdes

. Logradouros, hortas urbanas e mercados locais

. Jardins 4D

. Parque ambiental ou biológico

. Bosquete multifuncional

. As artes da paisagem.

. Cobertura digital e teleserviços oferecidos

. Rede urbana e serviço comunitário ambulatório

. Parque agroecológico e circuitos curtos

. Plataformas digitais colaborativas

. Quintas pedagógicas e terapêuticas

. Campos de férias e aventura

. As artes da paisagem

 

*De acordo com os conceitos de paisagem global e continuum natural, todos estes elementos devem funcionar como infraestruturas ecológicas e corredores verdes, segundo uma conceção integrada de arquitetura paisagista e engenharia biofísica.

 

Nesta nova agroecologia urbana as infraestruturas e os corredores verdes terão um lugar proeminente no planeamento, na prevenção e na terapêutica urbanas. Estas infraestruturas verdes, que nós designamos aqui como os operadores biofísicos da região-cidade, serão essenciais na projeção territorial da cidade, pois elas poderão funcionar como as placas giratórias das redes de corredores verdes ou como novos lugares centrais da região-cidade. Recordo, como exemplo, as principais: as redes integradas de micro geração energética, a construção sustentável e a bioregulação climática, a agroecologia e a economia do carbono, o bosquete multifuncional e a composição da floresta urbana, a agricultura urbana e periurbana para abastecimento alimentar, a promoção dos serviços de ecossistema, os lagos biodepuradores e a compostagem urbana, a agricultura vertical urbana, a construção de amenidades agroecológicas e recreativas, entre outras. Estas infraestruturas e corredores verdes (CV) desempenham, como sabemos, importantes funções agroecológicas fundamentais:

– Em primeiro lugar, funções ecológicas: manutenção da biodiversidade, espaços naturais e habitats, ligações entre habitats para a circulação de espécies, materiais e energia, filtro natural à poluição das águas e atmosfera, fixação de poeiras, proteção dos ventos e regularização de brisas, regularização das amplitudes térmicas e humidade atmosférica, circulação da água pluvial e infiltração;

– Em segundo lugar, funções sociais e económicas: espaços para recreio e lazer, abastecimento alimentar em produtos frescos, melhoria da qualidade ambiental, preservação do património histórico-cultural, valorização da qualidade estética das paisagens e controlo dos fatores de risco.

De resto, devemos falar de unidades operativas de raiz ecológica sempre que há uma obstrução biofísica e paisagística à criação de novas multifuncionalidades que se afiguram necessárias ao bom funcionamento das redes de uso do território. No fundo, depois da arquitetura e da engenharia civil, elegemos a arquitetura paisagista e a engenharia biofísica para repor muitos dos equilíbrios sociais e ecológicos que antes tinham sido quebrados.

 

2. O sistema produtivo e o hibridismo da 2ª ruralidade

O sistema produtivo de uma CIM da baixa densidade pode ser observado em três planos principais. Em primeiro lugar, os espaços rurais de produção, com a agricultura de precisão, a tipologia de agriculturas AAA (agricultura, ambiente, alimentação) e as ações integradas de base territorial (AIBT) para as áreas mais fragilizadas. Em segundo lugar, os espaços rurais de consumo, com as amenidades, os sinais distintivos territoriais e os serviços de recreio, lazer e turismo. Em terceiro lugar, os espaços rurais colaborativos, um universo muito amplo de atividades de interface cidade-campo e onde as plataformas digitais e os novos rurais desempenham um papel fundamental.

Um segundo aspeto do sistema produtivo local tem a ver com os mercados de futuro e, em consequência, o maior hibridismo do espaço rural. Desde logo, os mercados de futuro alargam muito as agriculturas AAA e as AIBT. Senão, vejamos:

– Os mercados da agricultura de precisão,

– Os mercados dos produtos agroecológicos: os produtos limpos, naturais e denominados,

– Os mercados do carbono: o papel dos fundos de investimento no sequestro do carbono,

– Os mercados da água: a água da rede, as águas recicladas, a água da chuva,

– Os mercados da biodiversidade e dos serviços de ecossistema,

– Os mercados das amenidades, do ordenamento e artes da paisagem,

– Os mercados dos 4R: reduzir, reciclar, reparar e reutilizar,

– Os mercados da mitigação e adaptação em resposta às as alterações climáticas

– Os mercados dos alimentos funcionais e da biotecnologia alimentar,

– Os mercados da micro geração e eficiência energéticas,

– Os mercados da segurança alimentar e rastreabilidade dos produtos,

– Os mercados da regeneração e da renaturalização de áreas ardidas.

 

A este elenco de mercados de futuro devemos acrescentar as ações integradas de base territorial (AIBT), algumas das quais poderão integrar o parque agroecológico urbano, por exemplo: as quintas pedagógicas e terapêuticas, os condomínios de aldeias, as áreas integradas de gestão paisagística, as áreas de paisagem protegida e as respetivas amenidades, os centros operativos tecnológicos e os laboratórios colaborativos, a gestão de um banco de solos, as Zonas de Intervenção Florestal (ZIF), as áreas de acolhimento, incubação e coworking, para jovens empresários rurais, entre outras.

 

3. A oferta integrada de bens comuns ou economia BCC

O universo colaborativo compreende uma gama muito variada de serviços comuns e compartilhados: os consumos colaborativos de recursos ociosos, a produção social pelos pares, os serviços partilhados pelas comunidades de utilizadores, o financiamento participativo, os espaços comuns de criação criativa, a aprendizagem e formação colaborativas, o uso de moedas criativas, mas, também, os comuns intangíveis do grande universo das redes e plataformas digitais. Imagine-se, por exemplo, o potencial colaborativo e a inteligência coletiva que podem habitar as redes de cooperação e extensão empresariais, as redes de investigação e desenvolvimento, as redes de solidariedade e inovação social, as redes culturais e criativas e as redes amigas do ambiente, entre muitas outras.

 

4. O movimento starting up em meio rural

O mundo rural é, hoje, um palco imenso onde se desenrolam todas as representações do mundo atual, das mais paroquiais e populares às mais cosmopolitas e sofisticadas. Em boa verdade, trabalhamos mais com representações do mundo rural, quase todas de proveniência e inspiração urbanas, do que com o mundo rural propriamente dito. Estamos, portanto, numa situação transitória em que os valores específicos da ruralidade, mais tradicionais ou mais modernos, são objeto de apropriação por atores muito diversos que os usam para estratégias muito variadas. O que importa realçar, nesta altura, é a evidência de que o espaço rural se transmutou de espaço-produtor em espaço-produzido. Esta transmutação, feita essencialmente por agentes citadinos ou urbanos, significa umas vezes verdadeira modernização agrária, outras vezes conservacionismo moderado e/ou radical, outras turistificação vinícola, oleícola ou cinegética, outras vezes, ainda, simples elemento decorativo para happenings cosmopolitas.

Chegados aqui, a convergência entre transição ecológica, energética e digital será o grande motor desta nova fase. Se esta convergência for devidamente patrocinada, como parece ser o caso com o PRR e o PT 2030, poderemos estar na iminência de uma explosão de start-up em espaço rural, embora nada garanta que elas não apareçam em ordem dispersa. Se tudo correr bem, poderemos ter uma economia digital colaborativa que tornará o capitalismo mais popular e genuíno, no sentido próprio dos termos e, assim, dar início à economia da 2ª ruralidade onde a rede de cidades e vilas (a região-cidade) e o seu parque agroecológico urbano serão uma genuína imagem de marca e um sinal distintivo para o século XXI. Estamos, assim, em condições de elaborar uma primeira tipologia de start-up da 2ª ruralidade nos seguintes modos de agricultura:

– As agriculturas de precisão e os dispositivos técnicos que assistem os modos intensivos,

– As agriculturas de nicho, denominações de origem e indicações geográficas.

– As agriculturas sociocomunitárias, os circuitos curtos e os mercados locais.

– A economia circular, a bioeconomia e os serviços ambientais.

– As bioenergias, as redes e os serviços energéticos.

– Os serviços ambulatórios ao domicílio, os programas de envelhecimento ativo.

– Os serviços de reabilitação e restauro do património natural e construído.

– Os serviços de produção de conteúdos para eventos criativos e culturais.

– Os ambientes digitais inteligentes e a gestão de sistemas de informação.

 

 

5. Os signos distintivos e a economia do simbólico e cultural.

Na verdade, ninguém se apaixona por uma nomenclatura estatística, seja uma NUTS II ou NUTS III, por isso, uma comunidade intermunicipal tem de ser, antes de mais, um território-desejado, que seja merecedor de uma certa geografia sentimental. Os signos distintivos territoriais (SDT) são os ícones de um território ou região e se soubermos, a partir dessa matéria-prima, construir uma narrativa peculiar que tenha conteúdo estratégico, em primeira instância sobre a economia criativa e, depois, sobre a economia produtiva, estaremos no caminho certo do desenvolvimento territorial. Ora, a CIM, como região-cidade e ator-rede colaborativo, tem massa crítica de atribuições e competências e recursos bastantes para iniciar esse percurso e criar todas as hiperligações que são necessárias entre a economia criativa das indústrias artísticas e culturais (ICC) e a economia produtiva local e regional. Quando falamos de SDT estamos a pensar nos vários ativos do património material e cultural, mas, sobretudo, nos fatores inovadores e criativos de conversão que transformam esses ícones em imagens de marca do sistema de produtos e serviços regionais. Um monumento, um endemismo local, uma paisagem literária, uma arte tradicional, um festival, uma expressão artística, uma prática culinária, entre outros, podem estar na base de projetos de investigação, valorização e interpretação do património cultural imaterial, de desenvolvimento de hubs culturais e criativos, de apoio a atividades tradicionais que transferem valor criativo para a qualificação de produtos e serviços, de desenvolvimento de negócios locais em matéria de economia circular, etc.

 

 

Nota Final

Na década em curso, a crescente interação entre os principais ecossistemas produtivos do mundo rural e os clusters das indústrias criativas e culturais que lhe estão associadas, surge, inegavelmente, como fator de animação e desenvolvimento das áreas de baixa densidade e contribui positivamente para a diversificação das procuras, uma maior diferenciação de produtos e serviços, mais coesão territorial e meios adicionais para a valorização do património local e regional. Esta turistificação e terciarização dos territórios do interior, se conduzidas com prudência e inteligência e reguladas pela Comunidade Intermunicipal (CIM) respetiva, podem sustentar um processo longo de desenvolvimento e inverter o círculo vicioso que atinge as ABD há muitas décadas. Para cumprir esse desiderato, as CIM devem refletir profundamente sobre os bens comuns que importa realizar no seu território-rede, por exemplo: a escola das artes e tecnologias (1) para gerar o talento local e, assim, colmatar os défices de conhecimento, a plataforma analítica territorial (2) para uma nova fase de programação e planeamento territorial, os incentivos ao associativismo e às plataformas colaborativas made in (3), a rede de extensão empresarial (4) de apoio ao tecido económico, o banco de solos (5) para o rejuvenescimento da atividade agrícola, o apoio à criação de um HUB criativo e cultural (6), o centro de acolhimento (7) para trabalhadores migrantes, a bolsa de casas para arrendamento (8), a bolsa de estágios e empregos (9), a rede de mobilidade e os serviços ambulatórios (10).

Estes são os instrumentos principais da CIM que se juntam ao bem comum mais emblemático da região-cidade, o parque agroecológico urbano. O parque agroecológico urbano, municipal e intermunicipal, será o novo lugar central da região-cidade e da 2ª ruralidade e pode acolher no seu seio muitas das ações e iniciativas que aqui enunciámos, das infraestruturas e corredores verdes aos mercados de futuro, das ações integradas de base territorial às start up em meio rural. O principal estrangulamento ao patrocínio adequado desta abordagem integrada é o modelo silo vertical completamente ultrapassado das nossas principais instituições, totalmente viciadas em candidaturas e ajudas públicas para preencher a sua missão corporativa. A principal tarefa do próximo futuro é realizar a quadratura do círculo e pôr de acordo instituições de ensino superior, associações de municípios, associações empresariais e serviços regionais e no interior deste quadrado criar um centro de racionalidade que seja capaz de pôr alguma ordem na cacofonia ecológica, turística e digital do mundo rural que se adivinha e avizinha.

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