Edifício Aurora 10

Projetar em loteamentos suburbanos é, em geral, um desafio de monta: o seu plano raramente emana de vontades estratégicas transversais para a urbe, limitando a sua capacidade de consolidar as suas características identitárias e urbanísticas ou de as valorizar, quer no seu desempenho urbano, quer na qualidade de vida que provisionam.

O resultado é, frequentemente, a implantação de peças que não estabelecem relações com a envolvente, não criam lugares, nem desenham as ruas estruturadas e orgânicas que reconhecemos em tecido urbano consolidado e bem-sucedido.

O Edifício Aurora 10 pretende mitigar algumas das limitações deste tipo de operação, reinterpretando o desenho do lote em mãos de uma forma que responda às particularidades da envolvente e às suas necessidades, procurando enfiamentos visuais preexistentes, abrindo caminho ao estabelecimento de continuidades, de relações mais ricas com o seu contexto e com futuras intervenções e, sobretudo, desenhando e participando no espaço público.

 

Embora o programa implique um desenho extremamente racionalizado, o tratamento da fachada principal quebra o monolitismo implícito com um delicado jogo de luz e sombra que compõe o cenário para a rua, sugerindo panos verticais que, simultaneamente, rompem com o gesto horizontal abstrato das varandas -criando uma estimulante contradição entre estes dois dispositivos formais, variável com a luz: às vezes mais discreta, outras vezes mais afirmativa- e citam os ritmos verticais próprios das densas ruas dos centros consolidados.

 

O “espaço público” das periferias tem sido, geralmente, o sobrante entre edifícios avulsos: uma circunstância que não tem produzido cidade qualificada.

Em consequência, era central propor um edifício atento ao seu contexto e capaz de participar ativamente no espaço urbano, quer estendendo o seu programa multifuncional para os espaços de transição entre o domínio público e o domínio privado, quer qualificando essas áreas de uso comum, diluindo as fronteiras entre o espaço público associado à rua e o espaço privado do interior do lote.

Os passeios que limitam a via prolongam-se para uma galeria comercial coberta, culminando o percurso a norte num acesso configurado simultaneamente como escada e auditório, providenciando um espaço de descanso e de reunião, que um Jacarandá a seu tempo abrigará.

 

Este desenho serve de base ao tema a partir do qual a caixa de escadas do corpo norte emana, desenhando um marco (que define a identidade do edifício, mas que se exprime à escala urbana) que recebe pistas das construções vizinhas e que remata a longa rua no seu enfiamento, atento ao seu contexto e dando uma resposta ajustada à sua envolvente.

 

Com uma planta altamente sistematizada, a estrutura apresenta um ritmo simples e regular.

Esta abordagem, com um foco central na eficiência no uso de áreas de construção, evitou geometrias complexas e áreas perdidas em circulações, maximizando o espaço útil destinado aos principais usos.

Conseguiu-se assim, em particular, dotar os apartamentos T3 de um espaço suplementar, sem função predefinida, apropriável das mais variadas formas.

 

As zonas comuns foram tratadas com o máximo de dignidade, sendo o primeiro contacto que tanto visitantes como residentes têm com o edifício.

 

Com inspiração no “meio-da-casa” da arquitetura popular açoriana, os apartamentos T3 apresentam um espaço generoso relacionado com a entrada e as circulações interiores, sem função específica, que pode ser apropriado para os mais variados usos: espaço de estudo, oficina, biblioteca, escritório, ou até -recorrendo a compartimentação suplementar e separando o espaço de entrada da zona de distribuição para os quartos- arrumos, espaço para tratamento de roupas, despensa, closet, entre outros.

A utilização deste espaço é limitada apenas pela imaginação, podendo dar resposta a necessidades domésticas suplementares, acomodar hobbies dos residentes, pequenos negócios a partir de casa, ou até necessidades transitórias e ocasionais que não podem ser satisfeitas noutros locais do apartamento.

Esta flexibilidade, que se coloca para além do estritamente funcional, constitui um forte percursor de qualidade de vida na habitação.

 

Os espaços apresentam geometrias elementares, permitindo a sua ocupação de forma simples e eficiente.

Os acabamentos são executados com madeiras nacionais (carvalho e castanho) e com mármore de Estremoz nas zonas húmidas.

As varandas projetadas e vãos envidraçados recuados permitem apresentar uma frente integral em vidro, tirando partido da vista desafogada, mas garantindo privacidade e minimizando ganhos solares.

 

O Edifício Aurora 10 pretende dotar a rua de um sentido mais urbano e integrado, utilizando a luz e a forma para transformar a matriz do loteamento num objeto rico, abstrato e de grande leveza, assente sobre uma base de granito de extracção local.

Através de um desenho simultaneamente técnico e orgânico, simples e complexo, enfatiza-se a importância de incorporar rua e edifício, garantido que a proposta não se limita a existir, mas que também oferece algo à rua, atenta às escalas da cidade e dos bairros, e que possa deixar pistas para a discussão e para o desenho de intervenções urbanas futuras.

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FICHA TÉCNICA

PROJETO

Edifício Aurora 10

LOCALIZAÇÃO

Rua Conde de Aurora, Lote 10, Ponte de Lima, Portugal

ARQUITETURA

Atelier Tiago do Vale, Arquitectos

EQUIPA DE PROJETO

Tiago do Vale, Adriana Gonçalves, com Paula Campos e Clementina Silva

PROGRAMA

Habitação Multifamiliar, Comércio e Serviços

PROMOTOR

Rio Sul L.da

CONSTRUÇÃO

Rio Sul L.da

ESPECIALIDADES

Eduarda Oliveira

MOBILIÁRIO

Redel Interiores

FOTOGRAFIA

João Morgado

ANO DE PROJETO

2020-2021

ÁREA DE IMPLANTAÇÃO

1247 m2 / 13423 ft2

ÁREA DE CONSTRUÇÃO

4919 m2 / 52948 ft2

ANO DE CONSTRUÇÃO

2021-2024

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