A Carpintaria de São Lázaro funcionou como carpintaria industrial até aos anos 90 do séc. XX, tendo sofrido um incêndio que pôs fim à sua actividade.
Trata-se de um edifício com uma fachada ao gosto Art-Déco, com amplas janelas para a Rua de São Lázaro e magníficas vistas a tardoz e no terraço de cobertura, para a Graça e para a Colina do Castelo.
O imóvel encontrava-se desocupado, distribuindo-se por três pisos e terraço/cobertura, um dos quais com uma altura de pé direito de cerca de 7m.
A localização da Carpintaria de São Lázaro, numa zona central da cidade em regeneração, e o facto de possuir características e proporções extraordinárias, torna-o um dos poucos edifícios com dimensões tão generosas no centro da cidade de Lisboa.
Em 2011 recebeu obras de reabilitação ao nível da fachada principal e, em 2013, decorreram obras de reforço estrutural e de limpeza interior da responsabilidade do Município de Lisboa.
O edifício não dispunha de circulações interiores, nem casas de banho, nem estava infraestruturado ao nível das necessidades mínimas de funcionamento.
Durante o Ano de 2014 a Câmara Municipal de Lisboa abriu um concurso para o arrendamento da antiga Carpintaria de São Lázaro, tendo em vista a criação de um pólo dedicado à cultura e criatividade. Nesse concurso era condição que os concorrentes assegurassem o acabamento do imóvel.
A Associação Recreativa e Cultural das Carpintarias de São Lázaro foi classificada em primeiro lugar neste procedimento.
Inicialmente a A.R.C. das Carpintarias de São Lázaro procurou implementar um modelo de sustentabilidade financeiro que assentava no financiamento das atividades culturais por via da exploração de duas zonas de restauração.
A construção deste modelo foi iniciada em 2016, contudo os custos e os investimentos necessários à sua implementação ditaram que em 2017 o mesmo fosse abandonado.
É nessa ocasião que o projecto é reiniciado com outra perspetiva de funcionamento. O financiamento das actividade culturais deixaria de ser assegurado pela restauração, seria o próprio espaço a garantir a sua própria sustentabilidade através de parcerias com a sociedade civil.
A.R.C. das Carpintarias de São Lázaro abandonou o anterior projecto e deu início a uma nova estratégia para implementar um Centro Cultural autossustentável nas Carpintarias de São Lázaro.
Esta estratégia implicou uma redução de 75% do valor do investimento, ficando nesta fase o valor do investimento em 96 000€.
Nessa altura iniciamos a nossa intervenção neste projecto procurando da nossa parte repensar a intervenção no espaço de um modo distinto, criando um projecto onde a escassez potenciasse as mais valias do imóvel.
Este projecto adquiriu um carácter faseado, procuramos assegurar as condições mínimas de funcionamento do centro cultural, posteriormente as valências que hoje ainda não existem serão conquistadas em futuras obras.
Nesta primeira intervenção foram implementadas as circulações, pavimentos, instalações sanitárias, infraestruturação técnica, eletricidade e sistemas de segurança.
Procurou o projecto criar uma estrutura flexível que permitisse albergar os diferentes acontecimentos culturais que iriam acontecer, nomeadamente exposições, concertos, residências artísticas, etc. com um investimento reduzido, contudo que garantisse as condições técnicas e espaciais necessárias ao seu funcionamento.
Esta estratégia permitiu reduzir a intervenção no espaço, libertando espaço para as actividades do centro cultural, que deste modo tem duas salas polivalentes de generosas dimensões, no piso-1 e no piso 1, e três espaços de características distintas, a loja na rua de são lázaro, o mezzanine com vista para a Graça e a Mouraria e o terraço na cobertura.
Uma das primeiras opções que tomamos foi a manutenção das intervenções realizadas aquando da reabilitação estrutural realizada em 2012, a métrica da estrutura aparente, os reforços em fibra de carbono na laje da cobertura assim como o reboco nas paredes afiguraram-se como elementos primordiais na intervenção.
A brutalidade e o carácter cartesiano das diferentes texturas, aliadas à escala do espaço e das amplas aberturas de cariz modernista foram assumidos como elemento qualificador da imagem do centro cultural.
O outro grande desafio que assumimos como primordial foi o desenho dos acessos verticais, desenhando-o para além da solicitação funcional de ligar os distintos pisos e o terraço.
Procuramos que este se pudesse assumir como elemento icónico do centro cultural, ajudando a construir com o nosso projecto a identidade que este tipo de equipamento necessita.
Este conjunto, escada/ guarda do mezzanine, foi concebido como um elemento contrastante em chapa pintada de branco, que na sua forma, uma espiral sinuosa, dialoga e enfatiza o carácter cartesiano da estrutura em betão da existência.
Através das texturas, o branco liso dos elementos propostos, acontece a mesma situação, é do contraste que estabelece com a rugosidade do betão e dos rebocos inacabados que se potencia a qualificação da pré-existência.
No fundo a partir das dificuldades orçamentais, procuramos implementar as condições necessárias para que este centro cultural se implementasse no roteiro cultural de Lisboa, para isso acontecer, o carácter notável do imóvel foi primordial, foi lá que encontramos toda a matéria prima para que este projecto vingasse.
A requalificação deste património foi principalmente assegurada pela sua própria identidade e história.
A nossa intervenção consistiu em revelar a sua qualidade e carácter únicos, sendo que o nosso desenho apenas serviu para construir um diálogo poético de agradecimento pela oportunidade que recebemos.
A escada, elemento icónico deste projecto é o nosso laço nesta prenda inesquecível.
Filipe Borges de Macedo
Lisboa, 2019
Projeto
Carpintaria de São Lázaro
Localização
R. de São Lázaro 72, 1150-199 Lisboa, Portugal
Arquitetura
Borges de Macedo Arquitetura
Arquiteto Responsável
Filipe Borges de Macedo Arq.
Arq.Co-Autoria
José Moreira Barra, Arq. e Sara Morais, Arq.
Projecto de Estabilidade
Pedro Viegas, Eng.
Projectos de Águas, Esgotos, Segurança e Térmica
Joaquim Jerónimo, Eng.
Projectos de eletricidade e comunições
Eng. João Garvão Sinfrónio, Eng
Empreiteiro Geral
Mérito Geração, Lda.
Serralheiro
Serralharia Civil Jorge Gomes
Fotografias
Nuno Almendra
Ano
2019