A cultura do dia a dia por Ana Neto Vieira e Matilde Seabra, da Talkie-Walkie

Categorias: Entrevistas

Ana Neto Vieira e Matilde Seabra são a dupla que comanda o bonito navio da Talkie-Walkie, uma empresa sediada no Porto que cria experiências ligadas à arquitetura e que organizou, durante quatro anos, e em parceria com o 23 Milhas, o ciclo Olhar por Dentro, que criou mais de duas dezenas de percursos pela arquitetura ilhavense, desafiando, mensalmente, profissionais de áreas distintas, desde a Arquitetura à História, da Geologia ao Design, para olharem e pensarem Ílhavo de diversos pontos de vista: a sua paisagem, a sua construção, os muitos movimentos arquitetónicos presentes nas suas fachadas, os seus edifícios (por dentro e por fora), as suas pessoas e os seus ritmos de vida e circulação. Além desse ciclo, lançámos um livro de remate e ponto de partida: “Olhar por Dentro: Percursos da Arquitetura de Ílhavo”. Não queríamos abandonar este barco sem o balanço próprio de uma viagem tão bonita e agitada. Pedimos à Ana e à Matilde que o fizessem.

Esta é uma pergunta inevitável: que balanço fazem destes quatro anos de Olhar por Dentro?

Talkie-Walkie: Normalmente a uma pergunta como esta responde-se “é um balanço positivo, ou quando tudo corre mal, diz-se negativo”. Queremos responder com outra unidade de medida. O dos quilómetros percorridos ao longo destes quatro anos e a diferentes velocidades: foram muitos e bons os quilómetros feitos a pé pelos becos e ruas de Ílhavo, a pedalar pelas ciclovias das Gafanhas, a remar pelos braços da Ria, a conduzir pelos viadutos e estradas nacionais. São distâncias percorridas com muitos ilhavenses e com visitantes vindos de fora, mas os seus sorrisos e perguntas curiosas são o que de mais positivo fica.

Antes de o olharem por dentro, por fora, de diversas formas, e através de tantos olhos e vozes, o que sabiam de Ílhavo, que curiosidade tinham?

TW: O território de Ílhavo não era totalmente desconhecido, se por um lado a Ana tinha memórias da infância pela sua família ser das Quintãs, já a Matilde, quando era estudante de arquitetura, tinha por hábito visitar a obras dos ARX Arquitetos. Antes desta colaboração com o 23 Milhas, já a nossa empresa, a Talkie-Walkie, integrava Ílhavo nas suas viagens de Turismo Cultural e Arquitetónico.

O que mais vos surpreendeu neste território?

TW: Fomos sendo surpreendidas, ainda hoje somos (no dia do lançamento do livro Olhar por Dentro mostraram-nos que o pontão da praia da Costa Nova tem fósseis com 150 milhões de anos). Ao longo do desenrolar da investigação e de um olhar cada vez mais por dentro, íamos descobrindo um vasto e diversificado conjunto de temas, que passavam pela arquitetura moderna e arte-déco e pela construção tradicional em adobe ou em madeira, pela paisagem dunar e marítima, pelas curiosidades históricas da pesca do bacalhau e etnográficas da forma de cozinhar as Padas de Vale de Ílhavo. Isto levou-nos a um outro conjunto muito grande de especialistas e investigadores, que já se debruçavam sobre Ílhavo e as suas particularidades.

“Não falta território, nem faltam pessoas. A resposta não é assim tão dicotómica, é bem mais complexa, o que falta é diversidade nas ligações que se podem estabelecer.”

E no ciclo do Olhar por Dentro, em geral? Há um discurso de muita devoção pela entrega das pessoas em tudo o que foram visitas, enquanto facilitadoras e entusiastas. Foi um dos grandes troféus?

TW: A palavra “devoção” faz sentido, pois a certa altura as visitas Olhar por Dentro transformaram-se em peregrinações culturais. Desde sempre, os especialistas abriram os seus estudos, página a página, e os proprietários abriram as portas de suas casas, de par em par. Os visitantes repetiam percursos e despediam-se dizendo que já estavam inscritos para o mês seguinte. O passa-palavra trazia sempre mais alguém. Estas atitudes mostram que todas as pessoas que convocámos se entregaram ao programa Olhar por Dentro sentindo-se identificadas com as temáticas e envolvidas na partilha de saberes.

Falta mais território às pessoas ou mais pessoas ao território?

TW: Não falta território, nem faltam pessoas. A resposta não é assim tão dicotómica, é bem mais complexa, o que falta é diversidade nas ligações que se podem estabelecer. Daí termos ensaiado, no programa Olhar por Dentro, diferentes vozes, formas e velocidades para cada visita. As inter-relações entre as pessoas e o território de Ílhavo foram-se assim desenvolvendo, visita a visita, por vezes éramos mais observadores, noutras éramos mais participativos.

Por fim, a vida cumpre-se, de facto, “nos caminhos e nas viagens, e não nos mapas”?

TW: Os quatro anos do programa Olhar por Dentro culminam num livro onde estão cartografados e retratados mais de vinte percursos por Ílhavo. O livro pode ser então esse mapa que indica caminhos e viagens possíveis a quem aqui chega. Pode ser visto como fim de um “caderno de viagens”, mas pode também ser visto como o início de um guia que dá a conhecer a riqueza e os segredos dos lugares que Ílhavo possui.

© 23 milhas

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