A Memória do Movimento Moderno

Categorias: Arquitetura

(Publicado originalmente na Revista Rua 22.)

Em Abril passado, apesar de protegido por um pedido de classificação como Imóvel de Interesse Público, o edifício da Panificadora de Vila Real viu os seus elementos mais identitários demolidos durante uma madrugada de sábado. 

Nadir Afonso, natural de Chaves, é um nome maior do panorama artístico internacional do século XX. Reconhecido sobretudo como pintor e pensador de exceção foi, igualmente, arquiteto notável.

Formado em Arquitetura pela Escola Superior de Belas-Artes do Porto trabalhou, nos anos 40 e 50, tanto com Le Corbusier como com Oscar Niemeyer, dois dos mais brilhantes faróis do modernismo mundial. Em 1965 constrói a Panificadora de Vila Real, a sua única obra na sede do distrito que o viu nascer.

Trata-se de uma obra exemplar do movimento moderno, de enorme valor representativo e patrimonial, e a sua preservação é central não só por razões da historiografia da arquitetura mas também como documento da produção de um dos maiores artistas portugueses do século XX.

No entanto, o edifício caiu no abandono e na ruína: o seu valor patrimonial não foi reconhecido pela população, pela autarquia ou pelo proprietário.

Tem sido este o difícil caminho do património do movimento moderno.

O conceito contemporâneo de conservação arquitetónica aparece a partir do século XIX, um tempo de importantes descobertas arqueológicas e de grandes avanços científicos. A cultura ocidental reviu-se em continuidade com esse passado redescoberto e a conservação passou a ser requisito cultural.

O seu critério assentou, desde logo, no reconhecimento de um “valor” no objeto, alicerçado num processo crítico que advém de um desejo sincero de preservar os artefactos pelo seu “valor de memória”, tornando-se a conservação numa espécie de espelho da cultura que a faz.

É neste nó que o património do modernismo vacila: do ponto de vista cultural está ainda demasiado próximo ser aceite como tendo “valor de memória”, não beneficiando de um reconhecimento amplo e abrangente por parte da sociedade, o que acaba por levar a intervenções de transformação, reconstrução, adulteração e manutenção danosa sobre o património moderno, mesmo sobre aquele com valor histórico e cultural.

A emergência de organizações nacionais e internacionais (sobretudo da Docomomo em 1988) tem servido como catalisador da promoção e conservação do património modernista, mas muitas das mais importantes obras do século XX continuam desprotegidas.

Este património exprime não só o grande potencial estético do movimento moderno como ilustra um dos períodos mais transformadores da história da arquitetura. A obra do modernismo deve ser entendida como extremamente representativa do nosso passado recente e preservada como tal.

Com os edifícios do pré-guerra em ruína e os edifícios do pós-guerra a necessitar de intervenção urgente, seguimos um caminho em que, quando finalmente o valor patrimonial da obra deste período for reconhecido, já muitos dos seus edifícios mais notáveis se perderam.

…e, como dizia Emília Viotti da Costa, um povo sem memória é um povo sem história.

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