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Claire & Max, cineastas franceses, completaram recentemente a produção do video Apparences. Nesta produção isolaram as fachadas do centro de Paris e recriaram-nas como adereços, cenários vazios de um set cinematográfico. Entre eles transportam-nos numa estranha viagem através da cidade que, embora permaneça familiar, é desconcertante e reveladora da forma como percebemos e nos relacionamos com o ambiente construído.
O modelo turístico convencional -da agência de viagens, das férias programadas, das companhias aéreas nacionais e dos hotéis- tem sido acompanhado (senão mesmo substituído) em crescendo exponencial por um tipo diferente de turismo -autónomo, flexível, dos voos low cost e do alojamento local.
O pressuposto desta mudança de paradigma (para além da evidência económica) é permitir-nos a fantasia de viver no centro urbano do nosso destino, num alojamento local genuíno -uma casa longe de casa- experienciando a cidade livremente, como um residente entre residentes e não como um turista.
O modelo tem vendido esta ideia com um sucesso tal que as pressões que coloca sobre o tecido urbano de muitas cidades são já extremamente evidentes (e até rejeitadas com, por exemplo, furiosas manifestações de locais em Barcelona ou Veneza).
As consequências dessas pressões revelam-se numa perversão da natureza urbana: cidades cujas zonas mais identitárias têm mais habitantes efémeros do que permanentes; cidades que se transformam em produto e cujo consumo é feito à custa da expulsão de quem lá vive; experiências urbanas radicalmente transformadas, caricaturadas e encenadas, cada vez mais distantes das autênticas que atraíram o turismo em primeiro lugar.
Há, da mesma forma, um impacto fortíssimo na arquitetura que levanta as cidades e -dado que a apetência deste turismo foca-se invariavelmente nos centros históricos- nas estratégias de reabilitação do edificado.
Na busca da máxima ocupação forçam-se sistematicamente soluções de demolição integral, a vazia fachada decorando um programa genérico e indiferente, igual em Braga, Barcelona, Veneza, Praga ou Dubrovnik.
Poderá o legado urbano da nossa geração ser uma cidade de fachadas sem substância, um parque temático superficial como a Paris de Claire & Max?
Este modelo de turismo e a sua massificação desembocaram no exato oposto daquilo que anunciavam: a experiência de uma cidade-cenário, turista entre turistas, num quarto de hotel com cozinha, genérico, internacionalizado e uniformizado, disfarçado por uma fachada desvalida.
Venderam gato por lebre.
Muitos turistas procuram já, explicitamente, aquilo de que esta oferta agora os priva: a experiência autêntica da cidade e do espaço que os recebe.
Procuram reabilitações do património construído local, das suas tipologias particulares, da sua forma de habitar, da sua distribuição programática, dos seus materiais e acabamentos: em suma, de tudo aquilo que é identitário, diferenciado, único e profundamente do lugar.
Talvez o mercado dê o mote para esse importante ajuste -determinante para o futuro das cidades e para a sustentabilidade deste tipo de turismo- mas a mudança terá de se alicerçar, sempre, na vontade estratégica de todos.