
As Vitrines da Avenida | Ana Carolina Helena . Arquitecta
Entre a marcante estação dos comboios e o largo da feira, está, na Malveira, a Avenida José Batista Antunes, uma referência antiga do comércio de proximidade. Um eixo movimentado, onde sempre me lembro de haver quase tudo, desde os gastos semanais da casa, passando pelos novelos de lã e agulhas de croché até aos artigos de papelaria mais específicos.
Confesso, por isso o meu espanto, quando há tempos, num passeio vespertino, me deparei com a nova construção entre o nº15 e o 21. Ao nível de quem passa: nada. Uma parede branca, cega, em claro contraste com as congéneres, onde figuram montras convidativas, abertas aos transeuntes. A ficar assim, uma opção aparentemente inofensiva, se multiplicada futuramente, não merecendo a devida atenção do planeamento local, pode ter efeitos claramente nefastos.
Considere-se o seguinte exemplo: numa rua existe uma padaria, uma pequena oficina e habitações nos pisos superiores. Fechando a padaria, quem habita por perto passa a ter de se deslocar provavelmente a uma grande superfície só para comprar pão todos os dias. Fechando a oficina, a rua perde movimento, a padaria perde clientes diários que na sua pausa da tarde lá faziam sempre gasto. Eis aquilo a que os arquitectos e urbanistas chamam, na gíria profissional, a importância dos usos mistos.
A ligação entre a boa forma urbana, que privilegia uma relação equilibrada entre comércio, serviços e habitação, e a sustentabilidade económica é estreita. Nos subúrbios, onde se tem pecado por construir prédios isolados, na tentativa de suprimir a crescente procura de habitação em torno da capital, esta opção é uma oportunidade a menos de reduzirmos as desigualdades, entre os que têm viatura própria e os que não.
De garantirmos alguma independência na criação de empregos locais. Que a arquitectura não vire as costas à desejada vitalidade do espaço urbano!
Artigo de Opinião © Ana Carolina Helena . Arquitecta . Venda do Pinheiro
(Texto escrito de acordo com a antiga ortografia, originalmente publicado na coluna “Arquitectura, Paisagem e Mafra” do jornal local “O Carrilhão” )
Imagem – (Fotografia cedida gentilmente pelo Arquivo Municipal de Mafra)