Case Study: Arq. José Porto, uma obra no início dos anos 40

Case Study: Arq. José Porto, uma obra no início dos anos 40 | Dedicado aos 140 anos do seu nascimento (1883/2023)

Com o arranque dos anos 40, o arquiteto José Porto divide-se em diversos desafios profissionais, principalmente na cidade da Beira em Moçambique. No entanto, continua a desenvolver projetos de relevância no norte de Portugal, entre eles a casa da família Oliveira, mandaria construir em i94i por José Dias Oliveira e sua esposa, Olinda da Costa Reis.

Pertencente à família até aos dias de hoje, mesmo após o falecimento do seu proprietário no ano de 1953, foi alvo de remodelação no início de 2000, mantendo-se a linguagem e acabamentos originais ao nível das fachadas e do interior do piso térreo, preservando-se como peça histórica e ode ao fundador das indústrias Riopele, Sr. José Dias Oliveira.

Consta na memória descritiva da reabilitação: “A referida habitação e uma construção (. . .) da autoria do Arquiteto José Porto e de manifesta qualidade arquitetónica”. Ainda a propósito dos seus interiores “(. . .) destacam-se a proporção dos espaços internos, os materiais e pormenorização cuidada, em especial da carpintaria de excecional qualidade”, aferindo a linguagem e escolhas do arquiteto.

Curioso o facto desta habitação ter sido projetada e construída com grande proximidade temporal a Casa da Vilarinha do cineasta Manoel de Oliveira, também da autoria do arquiteto José Porto. Esta obra, projetada entre 1939 e 1940, inicia a sua construção em 1941, coincidindo com o projeto e início da construção da casa da família Oliveira e que acaba por traduzir algum paralelismo entre elas.

Esta moradia implanta-se num terreno rodeado de indústria, fruto da ampla visão empresarial do seu proprietário e continuada pelos seus descendentes. Aos dias de hoje, o lote encontra-se substancialmente reduzido devido a expansão das fábricas da família, mas a habitação e área imediatamente envolvente mantêm-se de acordo com o projeto.

Na planta de implantação, a única peça desenhada existente, e nas antigas fotos do arquivo familiar, (» possível intuir se influências de Robert Mallet Stevens, comparando a com a estratégia de implantação da Villa Cavrois, projetada em 1929 e construída em 1930/32. Da investigação, compreendem-se também linguagens de André Lurçat nas obras do arquiteto José Porto, retratadas nas geometrias de fachadas e fenestrações, surgindo algumas referências a f e Corbusier, na filosofia do modernismo funcionalista.

Essas influências são notórias em diversos gestos, como o espelho circular de água na frente da propriedade q ue se relaciona intimamente com o momento da entrada principal da habitação, promovendo um eixo diagonal transversal a todo o lote, que controla a casa e a geometria dos jardins. Este elemento acaba por surgir noutros estudos e projetos do arquiteto, tanto ao nível de nova construção, como reabilitação.

As fachadas da habitação são resolvidas de forma depurada introduzindo a abstração de alguns elementos clássicos, como as arcadas de entrada, forçando a leitura de um volume modernista pela simplificação, mas de aspeto parcialmente simétrico.

As caixilharias, ao nível térreo, mantêm-se originais em aço, perfeitamente reabilitadas e pintadas a cor branca, ainda que originalmente fossem em tom escuro. Nesses elementos podem ser observados pormenores geométricos de um desenho notoriamente art déco, característica também do arquiteto.

A tradicional cobertura (% atenuada pelas águas recuadas de reduzida inclinação e delimitadas por uma platibanda que se vê rematada por um falso beirado assente sobre um friso do reboco em baixo-relevo. Este gesto do beirado não e aplicado em qualquer outro projeto do arquiteto, José Porto, levantando a possibilidade de ter sido um elemento introduzido em obra por eventual preciosismo do proprietário.

Na planta da habitação entende se uma distribuição de lonas em parte similar à casa de Manoel de Oliveira, existindo um bloco central ramificado lateralmente por dois volumes dispersos em sentidos contrários. O elemento central recebe o espaço social, onde se encontram as salas e escritório, enquanto o volume lateral a nascente recebe as funções de trabalho como a cozinha, copa e entrada de serviço onde o veículo estaciona, e o lateral a poente recebe a função privada dos quartos.

As áreas sociais e de trabalho encontram-se justamente com a mesma relação e estratégia da Casa da Vilarinha. Pode eventualmente entender—se a casa da família Oliveira como uma experimentação derivante desse projeto, até mesmo no paralelismo da dinâmica e amplitude. A desmaterialização das paredes por painéis de vidro na zona social, possibilita uma fluidez visual e de percurso no espaço, reforçando a relação entre salas, escritório e o exterior em ambos os sentidos. Uma promenade que [a’ Nuno Portas, nos anos 70, havia referido sobre o arquiteto José Porto.

Os materiais escolhidos nos acabamentos interiores comprovam que José Porto “era um arquiteto caro”. escolhe cantarias decorativas de elevada qualidade, que servem de remate em diversos momentos, como as guardas das escadas, os rodapés ou os elegantes elementos presentes no desenho do pavimento de entrada, intercalados com () ladrilho hidráulico e que interagem também com os tacos de madeira maciça de dimensões generosas.

Estes materiais apresentam-se hoje sem um relevante desgaste, tendo em consideração os mais de 80 anos de vida da obra.

Outro, é o exemplo das bancadas originais da cozinha, ainda existentes e em excelente estado de conservação. São compostas por peças esculpidas em bloco de mármore maciço que, para alem do seu encastre na parede, recebem o apoio de um par de pes cilíndricos do mesmo material,

Também ao nível do remate dos paramentos interiores podem ser observados entalhes e desencontros dos elementos, criando discretos nichos que seriam usados para iluminação indireta.

Estas são algumas das características da linguagem do Arq. José Porto, que valorizam a sua vasta obra e percurso, e que comprovam a necessidade da continuação de um estudo aprofundado do seu contributo no âmbito do início do modernismo português.

Investigação e texto de: Paulo Vila Verde, Arquitecto

 

 

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