
Atualmente os sistemas industrializados de construção mostram-se cada vez mais necessários e oportunos em Portugal, contudo ainda não aplicados na quantidade desejável. Caso fossem teriam um impacto positivo na rapidez de resposta e custo final de obra, resultando na melhoria do tão necessário parque habitacional destinado a famílias que vêm nos preços atuais uma impossibilidade de aquisição ou arrendamento. A que se deverá esta ainda lenta aplicação?
Refletindo sobre o passado destes sistemas em Portugal, a industrialização como forma de construção não é um tema novo. De recordar uma empresa, hoje desaparecida, fundada no início dos anos 70 e que foi uma das impulsionadoras dos sistemas pré-fabricados para construção de moradias, com forte implementação na margem sul e norte do Rio Tejo, mas também na região do Algarve. O seu fundador tinha desenvolvido um sistema construtivo resultante da combinação de painéis pré-fabricados em betão armado com diversas métricas e vazamentos que compunham janelas e portas. Este sistema de paramentos era encaixado sobre as sapatas, num caminho de lintéis igualmente pré-fabricados. Derivante dessa solução construtiva, criaram uma coleção de “modelos tipo” que facilitavam a escolha, orçamento e limitavam as possibilidades do cliente interessado. Apesar de todas as restantes tarefas serem produzidas in sito, a construção rápida do volume da habitação permitia uma vantajosa redução do prazo de obra e, como tal, economia face às tradicionais tarefas estruturais e de alvenarias.
Aos dias de hoje revelar-se-ia um sistema rudimentar, porém nele muitas famílias de orçamentos apertados encontraram solução para as suas necessidades habitacionais, sendo também aplicado na construção de segundas habitações. Milhares de casas foram construídas durante os cerca de 40 anos de vida da empresa.
Mas também em relação à execução rápida de paramentos, foi implantada na margem sul do Rio Tejo, também no início dos anos 70, uma fábrica de artefactos em betão celular que era uma solução usual, permitindo rapidez na construção de prédios de cariz social, como aconteceu em diversos casos nas periferias de Lisboa e Almada. Atualmente é, também, uma fábrica inexistente.
Para além da rapidez na construção das paredes interiores e exteriores, a sua capacidade ignífuga oferecia segurança, o que era uma vantagem nas construções em altura e com dezenas de fogos.
Como estes casos, outros certamente existiram, comprovando a utilização destas soluções nas últimas 5 décadas, mas revelando também a extinção destas empresas, possivelmente pela falta da implementação necessária em território nacional que potenciasse a sua viabilidade.
Certo é que a relação comparativa de custo entre os sistemas industrializados e o sistema convencional de construção confirma-se pouco expressiva, optando tendencialmente o comprador pelos sistemas convencionais, decisão alicerçada numa confiança histórica e na regra generalizada do mercado, demonstrando um determinado receio de arriscar por um sistema pré-fabricado em detrimento dos vulgares métodos construtivos, por uma reduzida diferença de preço.
Existe, claramente, uma diversidade de vantagens nestes sistemas industrializados como a já referida economia e rapidez de execução, gestão facilitada pela previsibilidade, controlo e correção de erros, antecipação de encomendas devido à estandardização e a garantia de controlo de qualidade da produção em ambiente fabril, acrescida da continua repetição modular. Tomam-se aqui também outros fatores de relevância como um melhor equilíbrio térmico e higrométrico entre a produção controlada em fábrica e a produção in sito, beneficiando a qualidade da construção e reduzindo a probabilidade de futuras patologias associadas.
Porém as desvantagens também existem e talvez a maior dificuldade seja o limite da forma e dimensão dos componentes dos sistemas, motivado tanto pelo transporte como pelo espaço disponível em obra para montagem, pelas condições viárias que dificultam acesso a veículos de grandes dimensões ou infraestruturas pré-existentes no local que poderão inviabilizar equipamentos tão simples como gruas para posicionamento do sistema.
Mas talvez o fator que mais penaliza a rapidez e principalmente o custo, encontra-se na permeabilidade à solução desenhada ao gosto e à medida do cliente.
A objetividade destes sistemas não deve ser alvo de uma leitura enviesada e deturpada por um argumento de facilitismo comercial. O sistema deve obedecer ao seu objetivo primordial para o qual foi concebido: rapidez, antecipação, economia e garantia. Não deve corresponder à rapidez da sua instalação parcial e depois submeter-se à mercê da personalização de uma parafernália de soluções, equipamentos, acabamentos, sugestões produzidas à medida e alterações impostas em obra. Aqui toda a razão e rentabilidade do sistema se esvai, transformando-o num híbrido entre a pré-fabricação e o convencional, logo crassamente penalizado no seu custo global.
No âmbito da moradia surge a problemática tendencial do dono de obra definir a arquitetura da habitação a seu gosto. A tentativa de adaptação de um sistema pré-definido produzido por meio de repetição a uma arquitetura personalizada a cada cliente, torna-se antagónico e redutor, acabando por se refletir na diminuição da vantagem de um preço mais acessível. Obviamente, à exceção de motivos técnicos, estes sistemas em nada se vêm limitados a um bom e moderno design, apelando aos sentidos, tornando-se atuais e atraentes comercialmente.
Há dias em conversa com o Mestre Arquiteto João Paciência e, justamente no seguimento deste tema, foi-me levantada a questão: “Será a indústria da construção tema para interessar às novas gerações de arquitetos?”. Provavelmente não porque limita a liberdade da forma, mas também porque não se torna corrente o contacto pormenorizado e aprofundado com este tipo de sistemas nas faculdades ou no vulgar dia a dia profissional, limitando o conhecimento aos novos arquitetos, apesar de ser desafiante para alguns a tentativa da criação de sistemas do género, impondo uma relação próxima com uma equipa de engenharia no decurso dessa conceção.
A complexidade de e entre disciplinas que interagem no desenvolvimento e produção dos sistemas rápidos de construção são um obstáculo à conceção de novas soluções, tornando-se também dispendiosas e morosas as certificações para serem promovidas legalmente no mercado.
E este é um tema que levanta grandes preocupações. A legalização dos sistemas e do seu método de montagem. O mercado oferece uma diversidade de soluções e empresas, nacionais e estrangeiras, mais ou menos bem informadas, mas circulam entre “os pingos da chuva” diversas empresas de duvidosas idoneidades que representam, plagiam ou adaptam sistemas e que atuam sem quaisquer certificações ou homologações válidas, não conferindo qualquer garantia para o cliente final. Aqui a falta ou deficiente informação pública, ou até descuidado do interessado comprador em escrutinar a entidade fornecedora, torna facilitador e tentador para essas empresas “sem escrúpulos” atuarem no mercado até com relativo sucesso, não sendo uma atividade legal, ética e respeitadora tanto para o dono de obra que os contrata como para a concorrência que preenche todos os requisitos legais.
Para a justificação da uma implementação pouco expressiva dos sistemas industrializados de construção em Portugal, pode ser ponderada, eventualmente, a possibilidade de ser um país com um mercado relativamente reduzido. No entanto, pode o principal motivo ser mesmo encontrado no custo excessivo, bastante próximo, ou até superior ao do custo da construção convencional. A industrialização subentende repetição, logo uma oferta a valores mais acessíveis, exemplificando-se, a título comparativo, com a produção em série do Modelo T da Ford no arranque do século XX. Uma solução rápida e económica para resposta ao mercado. Justamente o que hoje se anseia!
Estas poderiam ser soluções decisivas para respostas concisas às necessidades crescentes do parque habitacional visando albergar urgentemente famílias que vêm na habitação própria uma prioridade, mas sentem o crasso e inultrapassável desequilíbrio entre orçamento e o atual custo avultado, encontrando, geralmente, nestes sistemas soluções onerosas e onde poucas empresas nacionais são fabricantes.
Talvez estes sistemas sejam conotados como os “parentes pobres” da construção o que é uma associação totalmente errada, ou até, eventualmente, depreciativos aos olhos de muitos técnicos. Mas, mesmo assim sendo, resolveriam as necessidades habitacionais de 86.000 famílias atualmente em Portugal. Número que comprova o ainda longo caminho a percorrer, sendo desejável que esse caminho encurte.
E talvez o encurtar desse caminho surja através dos diversos métodos construtivos industrializados em expansão atualmente e que o mercado responderá no futuro a sua real aplicação e aceitação. Certo é que as técnicas de construção rápida com recurso a sistemas “post and beam” produzidas com recurso a madeiras provenientes de florestas sustentáveis, nacionais (parcas) ou estrangeiras, não são novidade, existindo em Portugal diversas empresas com décadas de experiência, mas que veem o seu público-alvo com uma capacidade financeira mais desafogada, ou enveredam mesmo pela internacionalização.
Surge também, em energética vontade de implementação, o “novo” sistema de impressão 3D de habitações, que a bem da verdade já existe desde a década de 30 do século passado. Contudo a fusão da técnica com uma tecnologia bem mais evoluída pode trazer benefícios para o mercado, mas apenas o tempo o dirá. A ponderação para a resposta pautará sempre pela relação de quantidade, rapidez, verdadeira economia e garantia. Essa é a fórmula vencedora e que se reforçará com o passar dos anos, resultando numa continuidade alicerçada em detrimento de um breve fluxo associado à novidade espontânea.
Assim, com uma diversidade de sistemas industrializados válidos, poderia a sociedade dispor de um valioso contributo para a resolução da constante problemática relacionada com a falta de habitação, não classificando as necessidades como sendo, na sua generalidade, de habitação social, mas sim de habitação a preços coerentes, e que incorporassem soluções que permitissem uma reduzida necessidade de manutenção e que sejam verdadeiramente sustentáveis em todo o seu percurso de fabrico, transporte, construção, vida e morte.
Contudo, e refletindo sobre o tema, relacionado principalmente com a habitação, estes sistemas aparentam ser aceites e aplicados a uma reduzida percentagem de casos e, provavelmente na sua maioria, procurados não pelo custo reduzido ou pelo curto prazo de obra, mas sim pelo interesse específico do comprador naquela tecnologia, sendo eventualmente tratado como uma novidade opcional à construção convencional e não tanto como um produto de resposta às necessidades atuais.
Será sempre necessário a insistência no mercado, propondo soluções e estratégias que correspondam à teoria destes sistemas construtivos, encontrando talvez na quantidade o caminho para um valor significativamente atrativo, surgindo como uma das verdadeiras soluções à necessidade habitacional.
Urge o encontro de soluções possíveis para uma grande percentagem das famílias portuguesas.
Artigo de Paulo Vila Verde . Fundador do Atelier Inquietude Arquitetura . Arquiteto . Urbanista. Autor. Investigador de arquitetura modernista portuguesa do século XX