
Design Ativo no Contexto Urbano Brasileiro: Estratégias para Promover Saúde, Inclusão e Sustentabilidade em Cidades em Transformação
Por Ciro Férrer Herbster Albuquerque
A urbanização crescente e o envelhecimento populacional têm colocado as cidades no centro das discussões sobre qualidade de vida, saúde pública e acessibilidade. Nesse contexto, o conceito de Design Ativo surge como uma estratégia inovadora para reconfigurar o ambiente urbano de forma a incentivar a prática de atividades físicas e, consequentemente, combater os desafios relacionados ao sedentarismo e às doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) [1]. Desenvolvido inicialmente nos Estados Unidos em 2010, esse modelo se fundamenta na integração do planejamento urbano e arquitetônico com intervenções que promovam escolhas saudáveis de maneira espontânea [1,2].
No Brasil, a necessidade de aplicar esses princípios é evidente, considerando-se o crescimento da população idosa, a alta taxa de urbanização e os índices alarmantes de inatividade física. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que 15,8% dos brasileiros têm 60 anos ou mais, proporção que ultrapassará o número de crianças e adolescentes de 0 a 14 anos até 2030 [3,4]. Além disso, 87,4% da população reside em áreas urbanas, onde seis em cada dez brasileiros não atingem os níveis mínimos de atividade física recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), entre 150 a 300 minutos de atividade aeróbica moderada a vigorosa por semana [4]. Conforme a Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS) de 2019, 6 em cada 10 brasileiros são sedentários, cerca de 40,3% da população adulta [6]. Tal cenário acentua os riscos de mortalidade precoce e a incidência de doenças como diabetes, obesidade e depressão, gerando impactos significativos na saúde pública e na produtividade.
Transformando Cidades em Ambientes Ativos
O Design Ativo propõe uma abordagem interdisciplinar que articula elementos do ambiente construído para facilitar o movimento humano no cotidiano, promovendo saúde física, mental e social. Para isso, diretrizes como as elaboradas no documento Active Design Guidelines: Promoting Physical Activity and Health in Design, da cidade de Nova York, servem de referência na criação de ruas, edificações e espaços urbanos acessíveis e inclusivos [1,2]. Além disso, o documento converge com os princípios dispostos na Política Nacional de Mobilidade Urbana, Lei Federal nº12.587, de 03 de janeiro de 2012; e na Cartilha produzida pelo Ministério das Cidades em 2013, que enfatiza tanto os transportes públicos quanto os deslocamentos ativos [7,8].
Os principais pilares dessa abordagem incluem:
1. Organização Espacial e Transporte Vertical
A configuração do espaço urbano e dos edifícios desempenha papel crucial na promoção de deslocamentos dinâmicos. O posicionamento central e atraente de escadas e rampas incentiva seu uso, enquanto elevadores e escadas rolantes são relegados a posições secundárias, preservando a acessibilidade para aqueles com necessidades específicas. Esses elementos devem incorporar rampas suaves, pisos antiderrapantes e sinalização tátil, garantindo segurança e equidade.
No contexto brasileiro, Fortaleza se destaca como referência em iniciativas de mobilidade urbana alinhadas aos princípios do Design Ativo. Entre 2012 e 2024, a infraestrutura cicloviária da cidade apresentou um crescimento expressivo de 529%, totalizando 427,9 km de ciclovias, ciclofaixas, ciclorrotas ou passeios compartilhados distribuídos pelas diversas regionais da capital. Segundo o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP Brasil), Fortaleza lidera entre as capitais brasileiras no índice de proximidade da população às infraestruturas cicloviárias, com 51% dos habitantes residindo a menos de 300 metros de alguma via ciclável [9].
Esses avanços refletem um movimento mais amplo em nível nacional. Dados da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) revelam que 7% dos brasileiros optam pela bicicleta como meio de transporte principal, evidenciando a crescente relevância da mobilidade cicloviária no cotidiano urbano. Em 2023, a rede cicloviária do país registrou um aumento de 4%, reforçando o papel da infraestrutura ciclística na promoção de estilos de vida ativos e sustentáveis [10].
A redução de limites de velocidade nas vias e o fortalecimento de espaços exclusivos para pedestres também tornam o ambiente urbano mais seguro e convidativo, levando em consideração que os sinistros de trânsitos no país foram de 29.435 mil, resultando em 85.549 mil pessoas envolvidas e 2.906 mil mortes nas rodovias federais até junho de 2024, conforme a Confederação Nacional dos Transportes (CNT) [11].
2. Iluminação e Qualidade Sensorial
A iluminação desempenha um papel crucial na funcionalidade e na qualidade dos espaços urbanos e construídos. A luz natural, frequentemente integrada a elementos biofílicos – como áreas verdes e jardins –, não apenas orienta o deslocamento, mas também contribui significativamente para o bem-estar psicológico dos usuários, ao reforçar a conexão humana com a natureza [12,13]. Em ambientes internos, como metros, a presença de iluminação adequada em corredores e escadas os torna mais atrativos, seguros e convidativos, incentivando sua utilização.
Infraestruturas complementares, como bicicletários e bebedouros estrategicamente posicionados, desempenham um papel importante na promoção de hábitos ativos. Essas intervenções, quando incorporadas ao planejamento urbano, qualificam a experiência dos pedestres e ciclistas, incentivando um número maior de pessoas a adotar práticas saudáveis, como caminhar ou pedalar.
Além disso, o conforto sensorial emerge como um componente essencial do ambiente projetado, abrangendo aspectos acústicos, térmicos e visuais. Espaços bem ventilados e com climatização eficiente estimulam a adesão ao movimento, enquanto o controle acústico minimiza ruídos indesejados, aprimorando a qualidade da experiência urbana e promovendo um uso mais agradável e contínuo dos espaços.
3. Mobiliário e Espaços de Convivência
O mobiliário urbano, além de sua função básica, atua como ferramenta de incentivo ao movimento e à interação social. Bancos dispostos em parques e praças, por exemplo, promovem encontros e fortalecem a coesão comunitária. Áreas de descanso distribuídas em longos percursos favorecem a circulação ativa e ampliam a acessibilidade [14,15].
4. Estética e Motivação para o Movimento
Os elementos estéticos do espaço urbano, como cores, texturas e materiais, exercem influência direta sobre o comportamento humano. Escadas e corredores podem ser enriquecidos com tons vibrantes e acabamentos acolhedores, tornando-os mais convidativos. Intervenções artísticas em espaços públicos, como murais e pavimentos interativos, transformam a paisagem urbana em um estímulo ao uso. Sinalizações informativas e mapas de rotas ativas educam os cidadãos sobre os benefícios do movimento, criando um ambiente que encoraja escolhas saudáveis [14,15]. Essa “arquitetura persuasiva” é uma ferramenta poderosa para integrar a atividade física à rotina.
5. Conforto Térmico e Qualidade do Ar
O controle do microclima urbano é essencial para criar condições adequadas ao movimento. Em ambientes externos, soluções como arborização e fachadas verdes ajudam a mitigar o calor e melhorar a qualidade do ar. Estudos indicam que um aumento de 30% na cobertura arbórea pode reduzir a temperatura local em até 0,4°C [16]. Pesquisas realizadas por Paulo Saldiva indicam que apenas uma hora de exposição ao trânsito em São Paulo equivale à inalação de poluentes comparável ao consumo de cinco cigarros [17,18]. Essa realidade expõe a necessidade de priorizar estratégias que reduzam as emissões de veículos motorizados, como o fortalecimento do transporte público e a promoção de modais ativos, que são menos impactantes ambientalmente [16,17,18]. Além disso, arborizar corredores de tráfego intenso não apenas diminui a poluição, mas também promove o bem-estar psicológico de quem transita por esses locais.
6. Aprendizagem e Desenvolvimento Cognitivo
A conexão entre atividade física e funções cognitivas destaca a relevância do Design Ativo na construção de uma urbanidade que fomenta tanto o movimento quanto o aprendizado contínuo. Evidências científicas demonstram que exercícios espontâneos aprimoram processos atencionais, memorização e retenção de informações, especialmente em ambientes arborizados ao ar livre. Pesquisas longitudinais reiteram esses achados, indicando que a prática regular de atividades físicas ao longo da vida está associada ao fortalecimento da reserva cognitiva e à redução do risco de demências, como a Doença de Alzheimer, em idades avançadas [19,20,21]. Assim, os ambientes urbanos transformam-se em catalisadores de estímulos cognitivos e interações sociais, capazes de promover criatividade, exploração e qualidade de vida em todas as idades.
Perspectivas Futuras
O Design Ativo redefine as cidades ao transcender a funcionalidade tradicional, integrando movimento, saúde e inclusão de maneira articulada e sustentável. Ao combinar estética, acessibilidade e estratégias ambientalmente responsáveis, essa abordagem posiciona o espaço urbano como um catalisador de transformação social e melhoria da qualidade de vida. No contexto brasileiro, onde o envelhecimento populacional e o sedentarismo se apresentam como desafios críticos, a adoção desses princípios promove não apenas o bem-estar físico e mental, mas também a construção de um futuro urbano mais inclusivo, dinâmico e equitativo.
É fundamental reconhecer, entretanto, que cada cidade possui demandas específicas, contextos estruturais distintos e escalas variadas. Nesse sentido, atualizações das diretrizes urbanísticas, aprimoramentos nos processos de concepção, execução e manutenção de infraestruturas, além da ampliação de intervenções de Design Ativo adaptadas às necessidades locais, são imprescindíveis para garantir a efetividade e a resiliência dessas iniciativas.
REFERÊNCIAS
1. NYC — THE CITY OF NEW YORK. Active Design Shaping the sidewalk experience: Tools and resources. NYC, 2013.
2. NYC — THE CITY OF NEW YORK. How to Use the Active Design Guidelines. In: Active Design Guidelines – promoting physical activity and health in design, NYC, 2018.
3. IBGE, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. SÍNTESE DE INDICADORES SOCIAIS -2023 Uma análise das condições de vida da população brasileira. [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/media/com_mediaibge/arquivos/070903d82038130a93f0374ada39f81d.pdf>.
4. UN, UNITED NATIONS. World Population Prospects. Disponível em: <https://population.un.org/wpp/>.
5. WHO, WORLD HEALTH ORGANIZATION. WHO guidelines on physical activity and sedentary behaviour. [s.l.] World Health Organization, 2020.
6. SAPS — SECRETARIA DE ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE (SAPS). Observatório da atenção primária da Umane, Sedentarismo Brasileiro. Ministério da Saúde, Brasil. 2023.
7. BRASIL. Lei Nº 12.587, de 03/01/2012 (Política Nacional de Mobilidade Urbana). Site do Planalto. Disponível em: Acesso em: 12 de Maio de 2022 e 2 de Fevereiro de 2023.
8. BRASIL, Ministério das Cidades. Cartilha “Política Nacional de Mobilidade Urbana” produzida pelo Ministério das Cidades sobre a Lei Nº 12.587. Disponível em: https://antigo.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosSEMOB/cartilha_lei_12587.pdf. Acesso em: 01 de set. 2024.
9. GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ, MOBILIDADE URBANA. Infraestrutura Cicloviária. Disponível em: <https://mobilidade.fortaleza.ce.gov.br/menu-programas/malha-ciclovi%C3%A1ria.html>. Acesso em: 01 de set. 2024.
10 . OBSERVATÓRIO DA BICICLETA. Ciclovias crescem 4% em um ano no país, “mas ainda faltam políticas que incentivem modal” – Observatório da Bicicleta. Disponível em: <https://observatoriodabicicleta.org.br/ciclovias-crescem-4-em-um-ano-no-pais-mas-ainda-faltam-politicas-que-incentivem-modal/>. Acesso em: 2 dez. 2024.
11. PORTAL DE TRÂNSITO E MOBILIDADE. Dados gaúchos da mortalidade no trânsito nas rodovias federais do Estado. Disponível em: <https://www.portaldotransito.com.br/noticias/fiscalizacao-e-legislacao/estatisticas/dados-gauchos-da-mortalidade-no-transito-nas-rodovias-federais-do-estado/>. Acesso em: 9 dez. 2024.
12. XU, J. et al. Effects of urban living environments on mental health in adults. Nature Medicine, v. 29, n. 6, p. 1456–1467, 1 jun. 2023.
13. VICH, G.; MARQUET, O.; MIRALLES-GUASCH, C. Green streetscape and walking: Exploring active mobility patterns in dense and compact cities. Journal of Transport & Health, v. 12, p. 50–59, mar. 2019.
14. BARDHAN, M. et al. From space to street: A systematic review of the associations between visible greenery and bluespace in street view imagery and mental health. Environmental Research, v. 263, p. 120213, dez. 2024.
15. CHIQUETTO, J. B. et al. Air quality improvements from a transport modal change in the São Paulo megacity. The Science of The Total Environment, v. 945, p. 173968–173968, 1 out. 2024.
16. OLIVETO, P. Aumento na quantidade de árvores em uma cidade reduz mortes precoces. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/ciencia-e-saude/2023/02/5070272-aumento-na-quantidade-de-arvores-em-uma-cidade-reduz-mortes-precoces.html>. Acesso em: 9 dez. 2024.
17. SALDIVA, PAULO H. N. Vida urbana e saúde : os desafios dos habitantes das metrópoles. São Paulo, Sp: Editora Contexto, 2018.
18 . LEMIEUX, C.; BICHAI, F.; BOISJOLY, G. Synergy between green stormwater infrastructure and active mobility: A comprehensive literature review. Sustainable Cities and Society, v. 99, p. 104900–104900, 1 dez. 2023.
19. FIGUEIREDO, A. E. B.; CECCON, R. F.; FIGUEIREDO, J. H. C. Doenças crônicas não transmissíveis e suas implicações na vida de idosos dependentes. Ciência & Saúde Coletiva, v. 26, n. 1, p. 77–88, jan. 2021.
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Artigo de Ciro Férrer Herbster Albuquerque
Arquiteto e Urbanista. Pós-Graduado em Neurociência, Gerontologia e Neuroarquitetura. Mestrando no Programa de Arquitetura, Urbanismo e Design, Linha de Pesquisa de Planejamento Urbano e Direito à Cidade, do PPGAU+D, na Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza, Ceará. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7462-6941 . E-mail: ciro.ferrer@hotmail.com.