E se tivéssemos de escolher apenas uma obra de um arquiteto? – Tratando-se de Gonçalo Byrne, a obra poderá ser uma das cinco que aqui apresentamos, tantas quantos os autores a quem pedimos que escolhessem, cada um deles, apenas um dos trabalhos do arquiteto que acaba de ser eleito para liderar a respetiva Ordem dos Arquitectos.
Três arquitetos, um crítico de arquitetura, também arquiteto, e uma artista plástica cuja obra dialoga com a escultura, a arquitetura ou o design, escolhem cinco obras definidoras do percurso de Gonçalo Byrne. Álvaro Siza Vieira selecionou uma obra muito simples e económica, Eduardo Souto de Moura um edifício com um “piercing” na empena, Manuel Aires Mateus um exemplo de integração urbana, Fernanda Fragateiro um terreiro onde o vazio é construção e Ricardo Carvalho um edifício de habitação chamado Pantera Cor de Rosa.
Casal das Figueiras, Setúbal (Operação SAAL)
“A escolha é difícil, porque tem muita obra de grande qualidade. Lembro-me de imediato de uma obra muito simples e muito económica, de grande qualidade e significado, que é o conjunto do SAAL em Setúbal, na encosta da montanha. É uma obra muito bem conseguida nas condições difíceis que existiam, com orçamentos baixíssimos e todas as dificuldades que vieram a desembocar no cancelamento do programa SAAL. Aprecio muito esta obra porque, naquele contexto, mas com um grande entusiasmo por parte das populações contempladas, encontra o tom e uma nota na paisagem de Setúbal de grande significado. O que quer dizer que nem sempre é o dinheiro que leva à boa qualidade arquitectónica e paisagística.” Álvaro Siza (arquiteto)
Parlamento Regional do Bramante Flamengo
“Não, não foi esta a primeira escolha. No princípio hesitei entre o Teatro Thalia e a “Pantera Cor-de-rosa”, e finalmente optei pela “Casa da Província do Bramante Flamengo”, pela simples razão: é que quando a vi publicada na “Casabella” aderi de imediato e gostaria de ter sido eu a assiná-la.
As razões são: simplicidade, proporções bem definidas, clareza, boa integração num ambiente ferroviário, bonita, e porque não dizê-lo, “bela”. Para não falar só de qualidades, talvez tenha dúvidas sobre a colocação daquele “piercing” na empena de pedra.” Eduardo Souto de Moura (arquiteto)
Caixa Geral Depósitos – Arraiolos
“Esta obra tem uma condição muito particular, que é a capacidade de desenhar, num contexto histórico com uma determinada escala, um equipamento que normalmente não teria essa escala. Liga em luz as duas ruas, e desenha espacialmente. Sendo uma obra muito pouco citada de Gonçalo Byrne, tem esse interesse. Numa escala pequena consegue demonstrar muito bem, por um lado, problemas de integração, por outro lado problemas funcionais. A ideia de integração urbana é o grande valor deste trabalho.” Manuel Aires Mateus (arquiteto)
Requalificação da zona envolvente ao Mosteiro de Alcobaça*
“Em Maio de 2007 realizei uma instalação com o título “Não ver” no interior do Mosteiro de Alcobaça, onde passei alguns uns dias a trabalhar. Deslumbrei-me com a recente e exemplar intervenção de requalificação do espaço envolvente do Mosteiro e das ruas e praças adjacentes (2006). Lembro-me do alinhamento dos pavimentos e do uso de grandes lajedos e belos elementos em pedra lioz e da experiência de continuidade e de liberdade que o desenho do espaço me permitia. Não esqueço a emoção repetida de atravessar o Mosteiro ao fim do dia e sair ao encontro do enorme terreiro em saibro, onde o vazio é construção.” Fernanda Fragateiro (artista plástica), com Falcão de Campos
A Pantera Cor de Rosa
A Pantera Cor de Rosa, um edifício de habitação de interesse social, é uma das obras que marcam a transição para a cidade contemporânea. Estamos no início da década de 1970 e o problema da habitação é o grande tema da cidade de Lisboa. O projeto é uma síntese de ideias sobre o eventual poder de um edifício poder fazer cidade e ser cidade.
É uma das obras redentoras de uma hipótese de cidade social, onde o edifício para o maior número possui uma praça, ruas, ruas elevadas e uma ideia de comunidade. Com a Operação SAAL Casal Figueiras em Setúbal, Gonçalo Byrne tinha já mostrado o poder da arquitectura de baixa densidade nas linhas de festo da Arrábida. Com a Pantera Cor de Rosa testou a alta densidade nas franjas da cidade de Lisboa. Ainda podemos aprender muito com estas duas obras agora que a cidade foi forçada, novamente, a debater o tema da habitação para o maior número.
Ricardo Carvalho (arquiteto e crítico de arquitetura)
Foto 1 – Casal das Figueiras, Setúbal (Operação SAAL) . Filipe Braga/Arquivo Gonçalo Byrne arquitetos
Foto 2 – Parlamento Regional do Bramante Flamengo . Andre Nullens
Foto 3 – Caixa Geral Depósitos – Arraiolos . Arquivo Gonçalo Byrne arquitetos
Foto 4 – Requalificação da zona envolvente ao Mosteiro de Alcobaça* . José Manuel Rodrigues
Foto 5 – A Pantera Cor de Rosa . Daniel Malhão
© Expresso . Valdemar Cruz (Jornalista)