Entrevista a Filipe Paixão

“FAZER UM PROJETO SERÁ SEMPRE ORGANIZAR ELEMENTOS NUM DETERMINADO CORPO”

Ainda criança, intrigado com alguns objetos, parecendo-lhe inúteis, mas ao mesmo tempo carregados de um significado que ele não conseguia decifrar, Filipe Paixão já sonhava em estudar arte, compreendê-la e experimentá-la. A Arquitetura, que é uma forma de arte, prevaleceu. Antes do Corpo Atelier, que fundou em 2014, a sua atividade profissional sempre esteve ligada à arquitetura. Em entrevista à TRENDS, Filipe Paixão fala dos projetos mais marcantes e/ou desafiantes do Atelier. Questionado sobre o futuro, refere que irão “procurar novas formas de relacionar arquitetura, arte e experiência física dos espaços”, que são, na verdade, “os temas que até aqui foram fundamentais”.

Sente-se realizado a trabalhar em Arquitetura?
É bastante gratificante, sim, ainda que apenas em momentos muito específicos. Quando se descobre o tema de um projeto ou a excitação própria do início ou conclusão de uma obra, por exemplo. Vale pelo desafio, que acaba por justificar todo o trabalho mais moroso que é necessário para concretizar um edifício.

O que o levou a fundar o Atelier?
Não foi demasiadamente premeditado. Havia da parte do meu pai a vontade de recuperar uma antiga casa de família e esse projeto foi servindo de pretexto para refletir sobre o significado dessa primeira intervenção e sobre aquelas que seriam as minhas posições sobre a arquitetura de uma forma geral. Pareceu-me importante nesse momento, a bem de alguma coerência, organizar uma série de fundamentos que pudessem servir de abordagem base para qualquer projeto, tendo essa casa como teste.

Porquê “Corpo”?
Teve que ver com a intenção de compreender a arquitetura como uma anatomia formada por um conjunto próprio de elementos fundamentais e universais, cada um cumprindo uma determinada função. Fazer um projeto será sempre, na sua essência mais básica, organizar esses elementos num determinado corpo.

O Corpo Atelier dedica-se à arquitetura e à arte. Havendo muitas formas de arte, a que tipo de arte se dedicam?
A questão da arte no atelier tem que ver com perceber como os processos e temas associados à arte podem influenciar o pensamento arquitetónico. Ou seja, de como as questões que preocupam um escultor ou um pintor nos podem ajudar a descobrir novos aspetos quando pensamos o espaço ou o desenho de uma fachada, etc. Isso obriga, por vezes, a experimentar fazer arquitetura como quem faz arte, despreocupado das questões funcionais e focado apenas na experiência.

Sendo o Atelier sediado em Vilamoura, é no Algarve que desenvolvem a maior parte dos vossos projetos?
Inevitavelmente sim, por uma questão de proximidade. Mas não temos a intenção de nos especializarmos em algum tipo de arquitetura “do sul”. Queremos antes experimentar e pensar circunstâncias e paisagens manifestamente diferentes.

Há algum projeto que lhe tenha dado especial prazer desenvolver?
O projeto “(des)Ordem Arquitectónica” permitiu-nos aprofundar as diferenças entre a arquitetura e a arte, e de como podemos conceber algo ambíguo. Neutralizámos o espaço de um pequeno apartamento pintando-o todo de branco e, no interior, colocámos três elementos. Cada elemento é, na verdade, um móvel, e a sua posição ajuda a marcar as diferentes zonas do apartamento. Objetivamente é arquitetura, porque tem uma função, mas se não soubéssemos que as peças eram móveis podia ser lido como uma peça escultórica exposta numa sala. Pareceu-nos muito forte esta dupla leitura.

“IMPORTA-NOS SOBRETUDO SABER CONCILIAR AS EXPETATIVAS DOS CLIENTES COM AS CIRCUNSTÂNCIAS PRÓPRIAS DO PROJETO”

Qual é a prioridade: dar ao cliente o que ele lhe pede ou certificar-se de que o projeto é fiel à vossa assinatura?
A questão da “assinatura” é uma inevitabilidade. Existe uma identidade que é a nossa e esse facto acaba por se manifestar naturalmente. Importa-nos sobretudo saber conciliar as expetativas dos clientes com as circunstâncias próprias do projeto. Garantindo isso, os projetos tornam-se sempre interessantes.

Qual foi o projeto mais desafiante para o Corpo Atelier? E, neste momento, que projetos têm em mãos?
Possivelmente, o projeto “Paredes dentro de Paredes dentro de Paredes”, por toda a história associada. Um conjunto habitacional dentro das muralhas de Faro, construído depois do terramoto e onde morou o Zeca Afonso no ano em que escreveu a Grândola Vila Morena. Quando nos apercebemos de toda esta conjuntura ficámos paralisados com o peso da responsabilidade. Foi um grande ponto de reflexão e produção para o atelier. Curiosamente, o projeto que mais nos tem ocupado recentemente é a conversão de um palacete em Castelo de Vide, que sugere uma ligação da família que o habitava ao Salazar e ao Regime. Achámos essa particularidade interessante: os dois projetos mais desafiantes, tanto pela escala como pela relevância urbana e histórica, têm associações diretamente opostas àquele período pré e pós-Revolução.

Como imagina o Corpo Atelier daqui a dez anos?
Creio que o atelier irá procurar novas formas de relacionar os temas que até aqui foram fundamentais: a arquitetura, a arte e a experiência física dos espaços. Não é para mim claro de que forma isso acontecerá, mas parece-me uma inevitabilidade, que só se tem agudizado desde o início do Corpo.

Entrevista realizado por Maria Pires e publicada no site TRENDS a 28 de agosto de 2018

Fotografias © DR

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