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Nesta entrevista, o arquiteto João Luís Carrilho da Graça fala do Terminal de Cruzeiros de Lisboa, uma obra emblemática com a sua assinatura, que utiliza uma inovadora solução que lhe confere uma maior leveza estrutural: betão com cortiça.
A ideia de utilizar esta solução inovadora, que junta cortiça e betão, no Terminal de Cruzeiros de Lisboa surgiu no âmbito do projeto Metamorphosis. Pode falar-nos um pouco deste projeto e da forma como impactou nesta decisão?
O projeto Metamorphosis foi um convite que a Experimentadesign dirigiu a uma série de arquitetos e designers para refletirem sobre a utilização da cortiça. Em relação aos arquitetos, pediu que, se possível, fossem utilizações ligadas à construção. Este desafio surgiu na mesma altura em que eu estava a desenvolver o projeto para o Terminal de Cruzeiros. Neste caso, as fundações para o edifício já estavam realizadas antes do concurso público, em 2010, pelo que tínhamos a estrutura toda estudada.
Os engenheiros da minha equipa disseram que estava esgotada a capacidade de suporte de carga sobre aquelas fundações e que o ideal era fazermos os alçados com um material leve. Então, lancei este desafio à Amorim, à Secil e ao Laboratório de Engenharia da Universidade de Coimbra (ITeCons), para estudarmos um betão que incorporasse, tanto quanto possível, cortiça para ficar mais leve e que se mantivesse com um caráter estrutural. Esta conjugação, da introdução da cortiça no betão, e da sua capacidade de resistência, é a inovação. Anteriormente, já se tinha utilizado betão com cortiça, mas para fazer coisas subsidiárias na construção, como enchimento, e nunca com este tipo de objetivo.
A leveza foi, então, a característica que mais motivou a utilização da cortiça neste projeto?
Sim. A cortiça é muito leve e, neste caso, foi isso que me interessou de sobremaneira. Mas a partir do momento em que se desenvolveu esta solução, que ao mesmo tempo tem uma grande capacidade de isolamento e uma capacidade estrutural de resistência, tornou-se possível aplicar este material em inúmeras situações.
Que outros aspetos acrescentaram valor ao projeto?
Quando a solução de cortiça com betão foi apresentada no Claustro do Mosteiro dos Jerónimos, no âmbito do projeto Metamorphosis, as pessoas tocavam no betão e diziam que deveria ser maravilhoso para pavimentos.
Nós normalmente pensamos no betão como algo duro, o que nos dá uma sensação de uma certa agressividade e brutalidade. Este, com cortiça, se for bem tratado, é mais macio do que a tinta ou de que o reboco normal, que são materiais duros. Ou seja, é duro, mas com uma consistência superficial muito agradável.
Para o conceito idealizado, foi importante explorar o efeito visual da cortiça. Porquê?
O efeito visual não é o principal. Embora, no caso do Terminal de Cruzeiros, como retirámos a camada superficial do betão, apareça a cortiça. Dá uma certa rugosidade e um aspeto que eu gosto muito, quase semelhante ao da taipa, que é a terra batida das construções tradicionais. Este betão com cortiça tem vantagens em relação a quase todas as alternativas e estou convencido de que no futuro vai ser muito utilizado.
Como é que chegaram à fórmula certa para responder às necessidades deste projeto?
Com o apoio do ITeCons, com a experiência da Secil e com o apoio muito positivo da Amorim. Houve uma conjugação de esforços, também com os engenheiros da minha equipa, e conseguimos chegar a este resultado.
Quais as potencialidades desta nova solução para a indústria da construção?
Penso no futuro utilizar este betão na construção de pequenos edifícios, porque consegue um elevado grau de isolamento. Imagine uma casa toda em pedra, só que a pedra é o betão com cortiça. Portanto, temos capacidade de resistência e capacidade de isolamento em relação ao exterior, no verão e no inverno. Para além disso, o toque deste betão é muito macio, pela incorporação de uma grande quantidade de cortiça, e tem menos 40% de massa do que o betão corrente. Pelas experiências que conheço de edifícios construídos só em betão, se se utilizar o betão à vista, fica só no exterior.
É o caso do Pavilhão do Conhecimento, construído para a Expo’98. Começou a ser edificado há 22 anos e está impecável, para espanto de toda a gente. Mas o betão é o exterior. Por dentro, tem paredes que ajudam a isolar, onde estão metidas todas as instalações. Raramente se vê um edifício que seja betão à vista por fora e betão à vista por dentro. A hipótese de utilizar betão com cortiça permite-nos, talvez pela primeira vez, ter o betão exterior e o betão interior à vista, porque a parede passou a obter capacidade de isolamento.
Que outras aplicações podem também beneficiar desta nova solução?
Só pensei em aplicações relacionadas com a construção, mas, para além de paredes, pode-se pensar em pavimentos e em mobiliário urbano. Imagino bancos com este tipo de material que devem ser muito confortáveis e muito mais leves.
Entre outros fatores de diferenciação, o seu trabalho é também reconhecido pela singularidade dos materiais, como é o caso do betão branco, utilizado no Pavilhão do Conhecimento da Expo’98, e agora da cortiça. A cortiça continuará a ser um material a explorar em projetos futuros?
Acho que a cortiça está tendencialmente a ser cada vez mais utilizada, tem características únicas. Noutro dia estive a pesquisar sobre a célula da cortiça e realmente é uma coisa espantosa. Podemos deixar um pedaço de cortiça debaixo de um peso durante séculos, e no momento em que tiramos a pedra a cortiça progressivamente volta à sua forma inicial, o que é uma coisa verdadeiramente espantosa.
Não há nenhum material natural que faça isto e também não conheço nenhum artificial. Eu acho que a cortiça é extraordinária!
Sobre João Luís Carrilho da Graça
João Luís Carrilho da Graça (1952) é arquiteto, licenciado pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa em 1977, ano em que iniciou a sua atividade profissional.
Ao conjunto da sua obra foram atribuídos diversos prémios, nomeadamente: o Royal Institute of British Architects 2015 International Fellowship, uma medalha da Academie d’Architecture Française em 2012, o título de “Chevalier des Arts et des Lettres” pela república francesa em 2010, o “Prémio Pessoa” em 2008, o Prémio da Bienal Internacional da Luz – Luzboa em 2004, a Ordem de Mérito da República Portuguesa em 1999 e o Prémio AICA – Associação Internacional dos Críticos de Arte em 1992.
Nomeado diversas vezes para o prémio da União Europeia para a arquitetura contemporânea – Mies van der Rohe Award -, Carrilho da Graça foi também galardoado com o AIT Award 2012, the Frate Sole International Prize of Sacred Architecture 2012, com o Piranesi Prix de Rome” em 2010, o FAD Prize em 1999, e o Secil Prize em 1994. Participou nas representações oficiais de Portugal na 12ª e 13ª edições da Bienal de Arquitetura de Veneza e na principal exposição da 15ª Bienal de Arquitetura.
Durante vários anos, Carrilho da Graça foi professor em diferentes universidades em Portugal, Espanha e Estados Unidos.
Em 2013, recebeu o grau de Doutor Honoris Causa da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa. Em 2015, foi nomeado membro honorário da Associação Portuguesa de Arquitetos.
Fotografias © Rita Burmester