Entrevista a João Vieira, Sócio-Fundador do AO – Architects Office

Com sede em Portugal (AO-LX) e no Brasil (AO-SP), o AO – Architects Office é um escritório de arquitetura e design de interiores com projetos marcantes em vários países da América do Sul e da Europa. Liderado pelo arquiteto João Vieira e por Greg Bousquet, o AO – Architects Office destaca-se por apresentar projetos autênticos, num equilíbrio entre o técnico e o artístico, em que a sustentabilidade é uma premissa essencial. Em entrevista, João Vieira fala-nos do contributo dos arquitetos para as Green Cities.

Passando em revista o portfólio da Architects Office, consegue eleger um projeto que seja representativo do trabalho do V. escritório de arquitetura? Que reúna as principais características do V. trabalho ou que de alguma forma tenha marcado o V. percurso profissional?

É difícil descrever um só projeto. Hoje temos 97 projetos em desenvolvimento em 4 países. Acho que o mais importante é que cada projeto do escritório, é diferente como solução, mas semelhante como estratégia. Esta premissa advém do facto de acreditarmos que o papel de arquitetura é entender as condicionantes de cada projeto. Acreditamos que o design é uma consequência natural deste princípio, e por isso investimos bastante em análise e investigação para que seja possível reverter desafios em oportunidades. Como arquiteto somos responsáveis por reunir o equilíbrio entre análise, solução e design. Hoje estamos a trabalhar em vários projetos com soluções construtivas sustentáveis e vários projetos em altura (high rise) com ambições sociais e urbanísticas muito interessantes.

Onde podemos encontrar os vossos escritórios? Quais as áreas de especialização? E qual a dimensão da equipa?

O nosso trabalho pode ser encontrado em vários países na América do Sul e Europa. No Brasil, estamos a trabalhar em 10 Estados, desde o norte até ao sul, temos também projetos em Lima no Peru e em Santiago do Chile. Na Europa, desenvolvemos através do Greg Bousquet (sócio fundador da AO) projetos em França nos últimos 10 anos e hoje temos vários projetos em Portugal: Lisboa, Porto e Comporta. O nosso escritório de São Paulo hoje tem 100 colaboradores e desenvolve os projetos na América do Sul, enquanto o nosso escritório em Lisboa conta com 39 colaboradores e desenvolve os projetos da Europa.

Passando em revista o V. portfólio, nos últimos anos qual a atividade predominante? Reabilitação urbana ou construção nova?

No Brasil os nossos projetos são maioritariamente de construção nova. Porém, num passado recente, trabalhamos em vários projetos de reabilitação urbana residenciais e uso misto em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. Em Portugal estamos envolvidos com projetos de reabilitação e construção nova.

Como está a correr o V. ano de 2022? Quantos projetos têm em carteira (em que setores e em que localizações)? E quais as perspetivas ao nível de novas encomendas para 2023?

O ano de 2022 tem sido um ano particularmente muito interessante. Hoje temos 500 000 m² em obra em vários países, e uma equipe consolidada, tanto em São Paulo como em Lisboa. Através do no nosso escritório do Brasil, estamos envolvidos em vários projetos de masterplan e uso misto, residencial e escritórios. Gostamos muito de trabalhar em projetos de masterplan, apesar de ser um processo mais lento, devido á escala de projeto.

O macro planeamento, tem uma timeline diferente, exige um entendimento e uma visão de grande escala e com expetativas complexas, muitas vezes envolvendo diversas entidades, tanto privadas como públicas. Em Portugal, estamos a fazer vários projetos de masterplan, residenciais, áreas comerciais, desportivas e turísticas. A maioria dos projetos estão a entrar em fase de licenciamento e as obras começarão em 2023. Ainda na Europa, com nossos parceiros locais, iniciamos uma parceira para projetos na Finlândia.

Olhando para o estado atual do mercado imobiliário e da construção, onde identifica o maior potencial de crescimento em Portugal? E os maiores desafios?

Vejo uma procura muito grande por projetos especiais, ou seja, projetos de boa qualidade, desde projetos de habitação acessível até projetos de alto luxo, de diferentes programas e usos.

A localização é um fator muito importante, porque os preços subiram bastante, e a deslocação tem um tempo e despesa considerável na qualidade de vida das pessoas. Outro elemento pertinente, é o tipo de produto apresentado, porque ninguém hoje vai comprar apartamentos ou escritórios que sejam demasiado grandes ou demasiado pequenos. É importante entender cada vez melhor as expetativas do mercado nacional e internacional, que como sabido, este último tem ajudado e contribuído bastante para impulsionar o mercado no centro das grandes cidades, nomeadamente Lisboa e Porto.

O grande desafio na minha opinião é a falta de uma pesquisa de mercado mais profunda e mais inteligente. Em Portugal não se faz pesquisa quantitativa e qualitativa especifica para entender a viabilidade dos empreendimentos. Como a procura está muito alta, os projetos bem localizados têm fluidez automática, mas está a acontecer uma ocupação demasiado orgânica que num futuro próximo pode trazer algumas surpresas desagradáveis. Aconteceu isso com o crescimento orgânico do alojamento local, agora com a habitação acessível e em breve com outras tipologias.

Na última década, a reabilitação urbana conquistou a atenção dos profissionais do setor imobiliário e da sociedade civil. Na sua opinião qual o papel do arquiteto nesse processo e que é uma prioridade a nível nacional?

Os arquitetos em Portugal estiveram durante 10 anos a tentar “engessar” residências em edifícios do início do século que tinham tipologias completamente diferentes. Se “ encaixou” tudo e mais alguma coisa em edifícios muito complexos: desafios ilimitados em temas como: circulação, iluminação, aproveitamento de áreas, estacionamento, etc. Tem sido um processo louvado, de todos os intervenientes, desde o governo, ás câmaras, investidores e promotores, arquitetos e engenheiros. Hoje cidades como Lisboa, Porto, Braga entre outras tem uma oferta urbana de grande qualidade, devido a esse esforço conjunto que foi feito.

Quando falamos de projetos em edifícios novos, o produto precisa de ser diferente. Não se pode “engessar” residências em construção nova. Vejo muitos projetos onde promotores e projetistas não entenderam essa diferença, entre reabilitação e construção nova. Hoje temos várias empresas de referência internacional sediados em Portugal e temos uma exigência de produto ao nível de outras capitais europeias e mundiais.

Precisamos de exercitar e entregar projetos de altíssima qualidade espacial, arquitetônica, construtiva e sustentável. Não me refiro ao tamanho das unidades, mas ao conforto das tipologias, entender a privacidade, a exclusividade, a insolação, a áreas externas e nunca esquecer como a vegetação tem um papel fundamental na concepção da arquitetura.

Cohaut, Brasil, projeto em obra. Sistema misto, betao e ferro, com vegetação integrada

E para os próximos 10 anos. Quais as tendências que vão marcar o setor imobiliário e da construção?

Elevar ainda mais a qualidade dos projetos que são entregues, nomeadamente a solução de arquitetura, conforto térmico e acústico associado a utilização de soluções construtivas mais sustentáveis. A grande reviravolta vai ser quando modificarmos a nossa forma de construir. Em Portugal somos arquitetos muito estéticos, com muita qualidade de desenho que facilmente nos adaptaremos a outras soluções. Mas precisamos de acreditar que essas mudanças das técnicas construtivas são extremamente vantajosas para todos. Se folhearmos qualquer jornal em Portugal, verificamos que sempre gostamos de estar em primeiro: nas vacinas, nas dimensão das estradas, na qualidade das praias fluviais, aos vinhos, ao clima, á internacionalização, ao turismo, etc etc. Então estou bastante convicto que é um processo de evolução cultural. Quando esse momento for ultrapassado, iremos ser uma referência europeia a curto prazo.

A sustentabilidade do edificado, não só do ponto de vista energético, mas também ambiental e social, é um tema incontornável. Como é que a arquitetura deve contribuir para este desígnio?

Temos sempre de pensar nestes 3 elementos para desenvolver edifícios mais sustentáveis e cidades mais equilibradas: Ambiente, Social e Financeiro. Temos de investir mais e mais na pesquisa, criar equipas ecléticas de várias disciplinas, temos de negociar e elaborar as receitas mais inteligentes para se adaptar, e acima de tudo absorver o máximo de expetativas possíveis. Só desta forma quase democrática e sustentável conseguimos trazer soluções mais ambiciosas e capazes de se posicionarem no contexto internacional. Gostamos muito de usar a palavra “Glocal”. Temos de ter uma visão muito global, mas com a sensibilidade local.

Considerando o estado atual do parque edificado nacional, quais devem ser as prioridades para o tornar mais sustentável?

É urgente, mudarmos as técnicas construtivas em Portugal para soluções mais sustentáveis e podermos contribuir para as chamadas Green Cities com edifícios NZEB (nearly zero energy buildings). Em Portugal estamos a trabalhar em diversos projetos de grande escala em construção sustentável em madeira tanto no sistema wood frame como CLT. É um prática muito comum em vários países da UE, mas ainda bastante escasso em Portugal. Portugal tem um histórico na construção muito boa, precisamos de mudar com urgência as técnicas tradicionais do Betão e alvenaria para soluções mais sustentáveis. Neste momento estamos em fase de pesquisa para o desenvolvimento de projetos verticais em madeira. Estamos na fase de investigação para entender o impacto cultural, técnico, legislação e conforto destes projetos. É um processo muito ambicioso mas tenho convicção que será uma realidade nos próximos dois anos e queremos ser os pioneiros na utilização destas soluções.

Acredito que deveria ser obrigatório o uso da vegetação em edifícios residenciais e corporativos. Trabalhamos incansavelmente nos últimos 5 anos para viabilizar a integração de vegetação nos nossos edifícios no brasil. Desde residências particulares até edifícios de 150 metros de altura. É um processo técnico e social. Enquanto aumentamos a sombra e consequente arrefecimento, geramos filtros solares, e privacidade pontual. Preocupações como manutenção e seleção de vegetação, sistemas integrados de irrigação e drenagem, elementos como cabos para aguentarem aos ventos, etc, são facilmente ultrapassados. Não somos adeptos do green washing, mas somos muito interessados em equilíbrio e em harmonia. Acredito muito na comunicação e contribuição e a natureza cada vez mais tem um papel muito sensível da forma como desenhamos cidades, edifícios, casas ou escritórios.

Fotografias © Rui Lourenço e Atelier AO – Architects Office

Entrevista publicada no site reportugal.vidaimobiliaria

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