Entrevista | Pedro Novo à revista Exklusiva

Pedro Novo

, o Presidente do Conselho Diretivo da Secção Regional de Lisboa e Vale do Tejo, deu-nos a conhecer os desafios que a arquitetura e os arquitetos enfrentam, bem como os desafios deste primeiro mandato.

Ordem dos Arquitectos “uma carreira especial na função pública”

 

A Ordem dos Arquitectos (OA) surgiu da transformação da Associação dos Arquitectos Portugueses em 1995.
Como avalia as mudanças desde essa transição?

A OA foi criada em 1998 e viria a substituir a então Associação dos Arquitectos Portugueses. Deveria ter nascido muitas décadas antes, dada a nossa densa e longa história de associativismo desde o século XVII, mas a vontade política na década de 30 impediu que tal sucedesse, ao contrário do que as- sumiram outras duas profissões históricas como a nossa, nomeadamente, os advogados e os médicos, que viram as suas Ordens nascer nas décadas de 20 e 30 respetivamente.

Desde então a Ordem dos Arquitectos tem trabalhado intensamente para democratizar a arquitetura, sobretudo o acesso aos arquitetos e por inerência aos serviços de arquitetura por parte dos cidadãos.

O atual contexto permite-nos, enquanto instituição, manter uma relação próxima com as faculdades de arquitetura e com os arquitetos portugueses, explorando e definindo linhas mestras para a profissão, com exigências e responsabilidades cada vez mais elevadas. Este nível de exigência reflete-se nos bons resultados alcançados na qualidade das construções, nos dois prémios Pritzker e nas múltiplas sociedades de arquitetos a alcançar prémios e projetos internacionais, contribuíndo ativamente para a melhoria da qualidade de vida dos portugueses.

Somos hoje uma classe internacionalmente reconhecida e premiada, contribuindo por esta via, para a digitalização da indústria do projeto e para a economia do país. Estes bons resultados devem-se em parte, a uma iniciativa que envolveu a sociedade civil e o governo, para pôr termo a um Decreto-Lei que considero «criminoso»! Regulamento que, de forma totalmente irresponsável permitiu que profissionais sem habilitações adequadas e sem qualquer formação no domínio da arquitetura, pudessem subscrever projetos de arquitetura. O fenómeno abriu caminho à construção de periferias desprovidas de uma adequada qualidade arquitetónica e urbana, resultando demasiadas vezes em amontoados construídos, tantas vezes insalubres, inseguros e de qualidade construtiva deficiente ou duvidosa, originando guetos urbanos, marginalizados e inseguros.

Refiro-me especificamente ao DL 73/73 que caiu finalmente em 2009, fruto de um combate intenso e persistente da Ordem dos Arquitectos, que como disse, contou com o envolvimento da sociedade civil, resultando na primeira alteração de um decreto-lei por uma iniciativa legislativa de cidadãos.

 

Quais são os maiores desafios enfrentados atualmente pelos arquitetos em Portugal e de que forma a Ordem aborda esses desafios?

A classe enfrenta múltiplos desafios, alguns estruturais e outros conjunturais. Um deles, estrutural, que nos preocupa sobre maneira, é o facto de não existir ainda na função pública a carreira especial de arquiteto.

Qualquer arquiteto na função pública não passa de um técnico superior. Uma profissão com um percurso académico que só encerra 6 anos após entrada na faculdade, é tratada como qualquer outra licenciatura. É difícil perceber como, uma profissão que contribui de forma tão determinante para a qualidade de vida das populações, para o planeamento territorial, para construção do património comum e com uma responsabilidade tantas vezes desproporcional, permanece ainda sem integração adequada numa carreira especifica na função pública! Manter este estado de coisas, irá resultar numa fuga histórica para o privado, condicionando e muito, a capacidade de resposta das câmaras e outras instituições, que necessitam dos arquitetos para pode dar resposta em tempo útil, à gestão dos processos urbanísticos, à apreciação de projetos, à direção e fiscalização de obra, sobretudo num momento em que sabemos que é urgente acelerar os procedimentos urbanísticos para conseguirmos aplicar o PRR.

Mas outros problemas continuam por solucionar, nomeadamente o dumping e a ausência de um referencial mínimo para valores de honorários. A necessidade de aprofundar e agilizar de forma célere, eficaz e consequente, em conjunto com o Governo e as câmaras do país, a prossecução do objetivo de criação da Plataforma Eletrónica dos Procedimentos Urbanísticos (PEPU).

A redução da taxa de IVA nos projetos habitacionais é outra das nossas batalhas. A Ordem dos Arquitectos tem pugnado pela redução de IVA nesta tipologia de projeto, como forma de mitigar esforço financeiro dos cidadãos e dos promotores na fase de projeto, e como forma de reconhecimento do direito constitucional a uma habitação condigna.

O Governo pode e deve ver na Ordem dos Arquitectos, um parceiro para a resolução dos problemas do país, particularmente aqueles relacionados com a produção de habitação, infraestruturas, grandes equipamentos e planeamento territorial.

 

Qual é a visão da Ordem sobre a formação e a educação dos futuros arquitetos?

A atual formação do arquiteto é bastante exigente e longa, mas como em todas as profissões, precisa de ser revista e atualizada sempre que o contexto técnico-jurídico e social sofre alterações mais profundas.

É uma dimensão da profissão em que já estamos a trabalhar. Vivemos num período de grande ebulição, quer do ponto de vista do ambiente e da qualidade de vida das populações, quer do ponto de vista tecnológico, mobilidade, inclusão, das metodologias de trabalho e da recém-chegada e já tão disse minada, inteligência artificial.

Todas estas condicionantes, geram novas exigências, novas expectativas, outros cuidados, e outras estratégias para melhorar a nossa capacidade de resposta às necessidades das pessoas e do país. Nesse sentido é importante que a formação do arquiteto continue exigente, seja monitorizada e atualizada em função das novas condições e exigências.

 

A sustentabilidade é um tema crescente na arquitetura que prática é que a Ordem definiu para incentivar a arquitetura mais sustentável?

A sustentabilidade está na ordem do dia. A indústria da construção e imobiliário têm sido e continuarão a ser determinantes para o PIB nacional contribuindo para este em cerca de 17% do seu total. Todavia, e como sucede em quase todas as atividades económicas, estão a ser introduzidas medidas que permitam mitigar o efeito desta atividade no meio ambiente, no consumo dos recursos naturais e na qualidade de vida das populações. Nos projetos e na construção, estão a ser introduzidas novas metodologias de trabalho para o tratamento, reutilização e reciclagem de materiais sobrantes das construções existentes e a demolir, tornando-se cada vez mais evidente a disseminação de sistemas construtivos baseados em modelos de pré-fabricação, com vantagens sobretudo no controlo e redução do desperdício.

No âmbito do projeto, e em particular no que diz respeito à performance energética dos edifícios, a atual legislação, introduziu novas exigências e requisitos em 2021. Estas novas exigências obrigam não só a uma permanente atualização de conhecimento e formação por parte dos arquitetos, como obrigam também, no projeto licenciamento de arquitetura, a verificação de requisitos térmicos das soluções construtivas preconizadas, com vista ao bom desempenho energético dos edificado. Pretende-se que os edifícios se aproximem cada vez mais das características NZEB (Nearly Zero Energy Building).

A Ordem dos Arquitectos enquanto entidade formadora certificada, tem vindo a fazer um trabalho formativo intenso junto dos seus membros no âmbito da Térmica e Acústica dos Edifícios. Os gabinetes de arquitetura e engenharia estão a implementar metodologias de trabalho BIM (Builiding Information Modeling), que permitem acautelar um conjunto de premissas de sustentabilidade, visando o projeto e a obra, bem como a sua manutenção ao longo do tempo.

A OA tem participado e integrado múltiplas iniciativas com o objetivo de promover e sensibilizar para práticas de projeto focadas na economia circular e do uso de energias renováveis. A título de exemplo a Ordem dos Arquitectos está a trabalhar na implementação de um sistema piloto de geotermia superficial na sua sede em Lisboa.

Estamos empenhados em relevar a importância do uso de materiais naturais e de proximidade, como a ancestral cortiça, e outros com incorporação tecnológica atual, como os blocos de cânhamo. E sobretudo da necessidade de inteligência e do conhecimento lato no desenho, porque verificamos que muitas vezes existem contradições no âmbito da sustentabilidade.

 

Quais são os principais objetivos e metas da sua gestão como Presidente do Conselho Diretivo da Secção Regio- nal de Lisboa e Vale do Tejo?

Embora já tenhamos feito muitos progressos na aproximação aos membros, na criação de novas dinâmicas com os municípios da região e aumentado a presença pública da instituição, sabemos que há muito ainda por concretizar. Este 2º ano será por isso, de continuidade das ações e objetivos estabelecidos, sem prejuízo de novas iniciativas que já identificamos e que terão de avançar. Man- temo-nos focados e alinhados com a nossa missão, melhorando o apoio aos membros e, sempre que possível, reforçar a relação da Secção Regional com as instituições parceiras, públicas e privadas.

 

Há quanto tempo ocupa este cargo e que balanço faz deste mandato?

Celebrámos muito recentemente o primeiro ano de mandato. Tempo suficiente para podermos fazer uma análise critica ao nosso trabalho e à relação estabelecida junto dos arquitetos e da sociedade.

Foi um 1º ano repleto de vicissitudes, com uma revisão Estatutária anunciada logo no início do mandato, que resultou numa forte e convicta oposição por parte da Ordem dos Arquitectos. Não obstante, volvidos três meses de mandato, o Parlamento confirmou o diploma, provocando alterações significativas na orgânica da Ordem.

No início de 2024 fomos confrontados com a publicação do Decreto-Lei nº10/2024, vulgo «Simplex Urbanístico», que viria a impor a uma alteração significativa ao Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, com forte impacto, uma vez mais, nos arquitetos e nas câmaras municipais. Perante estes acontecimentos, a Secção Regional mobilizou-se e de modo célere, articulando com os seus colaboradores e organizando grupos de trabalho, produziu documentação e informação de apoio e divulgação aos membros, para melhor esclarecer e interpretar os diversos diplomas legais alvo do «Simplex Urbanístico».

 

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