Neuroarquitetura: como o design dos espaços impacta a saúde mental e física

Categorias: ArquiteturaDesign

Passamos mais de 90% do tempo das nossas vidas dentro do interior de edifícios. Mas nem sempre (ou muito poucas vezes) a nossa saúde mental e física é tida em conta quando são projetados. Afinal, como seriam os espaços se fossem desenhados com base nas emoções e bem-estar?

A neuroarquitetura foca-se nisso, estudando a forma como os ambientes influenciam os nossos processos mentais, desde o humor até à produtividade, e como esta abordagem pode revolucionar o modo de construir escolas, hospitais, escritórios e casas que, em última análise, que nos façam sentir bem. Teresa Ribeiro, arquiteta e especialista nesta prática, explica em entrevista ao idealista/news de que forma o design consciente promove a qualidade de vida.

Seja construir uma casa mais confortável e acolhedora, um escritório menos stressante, um hospital que facilita a recuperação dos seus doentes ou uma escola onde se pode aprender melhor. A neuroarquitetura, tal como explica Teresa Ribeiro, “cruza as várias áreas das ciências cognitivas e humanas com o design, a arquitetura e o urbanismo, para compreender a resposta do ser humano ao meio em que se insere”, desempenhando um “papel fundamental no campo da compreensão dos comportamentos humanos e de como estes podem ser canalizados para uma melhoria da vida da sociedade como um todo”.

Com mais de 20 anos de experiência em arquitetura habitacional, urbana e de reabilitação, a arquiteta direcionou o seu foco para a neuroarquitetura, acreditando que o desenho dos espaços pode e deve ser utilizado como ferramenta de saúde. “Os espaços afetam-nos todo o tempo, mesmo sem nos apercebermos”, garante.

“Sabemos que emoções positivas prolongam a esperança de vida e melhoram a sua qualidade. Navegar e permanecer em espaços com características que promovam esse estado está demonstrado que contribui para a saúde física, psíquica, emocional e social”, salienta, dando como exemplo algumas investigações que mostram que “bairros com infraestruturas degradadas, com falta de áreas verdes e pouca acessibilidade a recursos comunitários são associados a maiores índices de depressão, ansiedade e stress”.

De acordo com a especialista, a neuroarquitetura permite, entre várias coisas, criar escolas que incentivem os alunos no desenvolvimento e aprendizagem, hospitais que promovam a recuperação mais célere dos seus pacientes, espaços de trabalho que proporcionam o bem-estar, a produtividade, ou projetar casas que mitiguem o stress. Nesta entrevista escrita que agora reproduzimos na íntegra, Teresa Ribeiro reflete e analisa de forma profunda os benefícios da aplicação dos princípios desta disciplina na construção.

O que é a neuroarquitetura e como ela se diferencia da arquitetura tradicional?

A neuroarquitetura é a disciplina que cruza as várias áreas das ciências cognitivas e humanas com o design, a arquitetura e o urbanismo, de forma a compreender a resposta do ser humano ao meio em que se insere.

“Já alguma vez se sentiu atraído por um espaço ou, pelo contrário, sentiu repulsa por um determinado tipo de ambiente? Já pensou de que maneira aquela sala, aquele edifício, aquela rua ou praça o afetou? Como essa experiência moldou as suas emoções e reações, como permanece nas suas memórias durante anos podendo provocar tristeza ou profunda alegria?”

A generalidade dos seres humanos passam mais de 90% do tempo das suas vidas no interior de edifícios (casa, escola, escritório, hospitais, lojas, fábricas, ginásios, cafés, restaurantes, etc.), a neuroarquitetura tem como foco estudar o efeito desses espaços no cérebro humano.

Sabemos que os edifícios, bairros e cidades impactam diretamente a saúde física, psíquica, social, emocional e o bem-estar, mesmo sem nos apercebermos de forma consciente. Este facto é cada vez mais estudado por todas as profissões envolvidas no projeto e conservação do ambiente construído.

“Sabemos que os edifícios, bairros e cidades impactam diretamente a saúde física, psíquica, social, emocional e o bem-estar, mesmo sem nos apercebermos de forma consciente.”

A acrescentar ao conhecimento existente da psicologia ambiental, sociologia e ciências humanas, a significativa evolução das tecnologias de avaliação neurofisiológica utilizadas na neurociência, tais como o uso de biossensores (EEG, fMRI, Eye-Tracking, face reader, EDA/GSR, oxímetros, termografia infravermelha, sensores de movimento, de respiração, de pressão arterial, da temperatura corporal e ECG), veio potenciar o conhecimento neurocientífico nas últimas décadas. Permitindo avaliar de forma quantitativa como o espaço afeta o comportamento e as emoções dos utilizadores.

O objetivo da neuroarquitetura é saber em detalhe como funciona a relação entre o ser humano e os ambientes, como exatamente a nossa experiência, comportamento, emoções e envolvimento na comunidade são moldados pelo ambiente construído, para transformar esse conhecimento em estratégias que possam ser aplicadas nos projetos de forma a melhorar a qualidade de vida e o bem-estar da sociedade em geral.

“O objetivo da neuroarquitetura é saber em detalhe como funciona a relação entre o ser humano e os ambientes.”

O que diferencia a neuroarquitetura da arquitetura tradicional é o conhecimento que o projetista tem sobre os futuros utilizadores dos espaços que vai conceber, e com base em evidencias científicas tem a capacidade de criar projetos de forma informada (Evidence Based Design). Sabendo antecipadamente de forma científica quais os efeitos que determinadas características dos espaços que está a projetar têm nos futuros utilizadores.

Por exemplo:

. Criar escolas que incentivem os alunos no desenvolvimento e aprendizagem, hospitais de promovam a recuperação mais célere dos seus pacientes até mesmo prevenindo o consumo de analgésicos.

.

Criar espaços de trabalho que proporcionam o bem-estar, a produtividade, a saúde física, psíquica, social e emocional.

.  Projetar habitações que mitiguem o stress e ajudem a regular os círculos circadianos, tão importantes para o sono e vigília. Contribuindo para a produção de melatonima no período da noite e de cortisol no período da manhã. Regulando os diferentes espaços tendo em conta as diferentes necessidades de repouso, socialização, produtividade etc..

A profissão de arquitetura tornou-se parceira no desenvolvimento da aplicação desta base de conhecimento, a fim de aumentar a sua capacidade de servir a sociedade. Há mais de 20 anos foi criada no Instituto Salk, na Califórnia a ANFA, onde o conhecimento da neuroarquitetura é disseminado e integrado nas diversas atividades relacionadas com a saúde e bem-estar do ser humano.

De que forma o ambiente construído pode impactar o cérebro e o comportamento humano?

Todos os espaços, construídos ou não, impactam o cérebro humano, “nenhum ambiente é neutro”. Segundo Fred Gage, geneticista, todos os ambientes têm efeitos sobre o ser humano. Sabemos que 95% das nossas experiências são captadas inconscientemente e apenas 5% são conscientes. Os espaços afetam-nos todo o tempo, mesmo sem nos apercebermos.

Na neuroarquitetura estudamos os impactos a curto e longo prazo. Que apresentam consequências diferentes no cérebro e comportamento, dependendo da intensidade e durabilidade. Elementos como a luz, a cor, o som, a textura e até a disposição espacial afetam o nosso humor, níveis de stress e capacidade de concentração. Por exemplo, uma iluminação natural adequada pode melhorar o humor e a produtividade, enquanto a exposição a espaços muito barulhentos pode elevar os níveis de ansiedade.

“Os espaços afetam-nos todo o tempo, mesmo sem nos apercebermos.”

Sabemos que emoções positivas prolongam a esperança de vida e melhoram a sua qualidade. Navegar e permanecer em espaços com características que promovam esse estado está demonstrado que contribui para a saúde física, psíquica, emocional e social.  Algumas investigações mostram que bairros com infraestruturas degradadas, com falta de áreas verdes e pouca acessibilidade a recursos comunitários são associados a maiores índices de depressão, ansiedade e stress.

Artigo de Leonor Santos, publicado no site Idealista . 7 Outubro 2024

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