
Neuroarquitetura e “Dementia Villages”: as novas formas de moradia para pessoas idosas com demência.Por Ciro Férrer Herbster Albuquerque
As Dementia Villages, ou vilas para pessoas com demência, são um modelo inovador de cuidado para indivíduos que possuem quadros demenciais, como a Demência de Alzheimer. Elas oferecem um ambiente adaptado e acolhedor, proporcionando um senso de comunidade e promovendo a autonomia e o bem-estar dos residentes.
A neuroarquitetura e as Dementia Villages estão intimamente relacionadas, pois ambas buscam criar ambientes que promovam o bem-estar e a qualidade de vida das pessoas com demência. A neuroarquitetura é uma disciplina que combina a neurociência com a arquitetura, visando entender como o ambiente físico afeta o cérebro e o comportamento humano.
As Dementia Villages surgiram pela primeira vez na década de 1990, com a criação da vila De Hogeweyk, na Holanda. Essa vila inovadora foi projetada especificamente para atender às necessidades das pessoas com demência avançada, proporcionando um ambiente que se assemelha a uma comunidade residencial comum. Ela oferece residências individuais, espaços de convivência, áreas de lazer e serviços de suporte, com o objetivo de promover a autonomia e a qualidade de vida dos residentes.
O conceito por trás desse modelo se baseia na ideia de criar um ambiente seguro, familiar e estimulante, que permita aos indivíduos com demência viverem com dignidade e conforto. A vila De Hogeweyk foi pioneira nesse modelo e se tornou uma referência internacional, inspirando o desenvolvimento de outras vilas em todo o mundo.
Esta tipologia está experimentando uma ascensão devido a uma série de fatores que refletem a crescente conscientização e compreensão das necessidades das pessoas com demência. Estima-se que a cada 3 segundos um novo caso de demência surge e, em 2030, o mundo apresentará 74,7 milhões de pessoas com demência.
As “Dementia Villages” propõem um forte foco na promoção da autonomia e qualidade de vida dos residentes. Esses locais oferecem um ambiente que se assemelha a uma comunidade residencial comum, permitindo que os indivíduos com demência mantenham sua independência e desempenhem atividades diárias de forma autônoma. Isso contrasta com os modelos tradicionais de cuidado, nos quais a ênfase é muitas vezes colocada na supervisão e no controle.
Elas adotam uma abordagem centrada na pessoa, levando em consideração as preferências individuais, história de vida e interesses dos residentes. Elas oferecem a possibilidade de personalização dos espaços e atividades, criando um ambiente familiar e acolhedor. Essa abordagem reconhece a importância de tratar cada indivíduo com demência como uma pessoa única, com suas próprias necessidades e desejos.
Buscam, também, promover a interação social entre os residentes, criando um senso de comunidade e pertencimento. Os espaços são projetados para facilitar encontros casuais, atividades em grupo e interações diárias. Essa abordagem é fundamentada na compreensão de que a solidão e o isolamento social podem ter um impacto negativo na saúde e no bem-estar das pessoas com demência.
Essas vilas são projetadas levando em consideração as necessidades específicas das pessoas com demência. Os espaços são adaptados para promover a segurança, a orientação espacial e a estimulação cognitiva. Por exemplo, os ambientes podem incluir elementos visuais distintos, sinalização clara e áreas de lazer que estimulem a memória e o envolvimento dos residentes.
A crescente quantidade de evidências científicas que respaldam os benefícios das Dementia Villages tem contribuído para sua ascensão. Estudos demonstram melhorias na qualidade de vida, na saúde mental e física, na redução de comportamentos desafiadores e no bem-estar geral dos residentes. Esses resultados positivos têm despertado o interesse de profissionais de saúde, pesquisadores e governos, impulsionando a implementação de mais vilas em diferentes partes do mundo.
Além disso, a conscientização pública sobre a demência e a busca por alternativas aos modelos tradicionais de cuidado têm sido fatores-chave na ascensão das Dementia Villages. As pessoas estão cada vez mais informadas sobre a demência e estão demandando soluções que respeitem a dignidade e a autonomia dos indivíduos afetados por essa condição.
Os benefícios da aplicação da neuroarquitetura nas Dementia Villages são diversos e contribuem para melhorar a qualidade de vida dos residentes. Alguns dos principais pontos de encontro incluem:
Estimulação cognitiva e sensorial
A neuroarquitetura sugere que a estimulação cognitiva e sensorial pode ter efeitos positivos no cérebro e no bem-estar das pessoas com demência. Nas Dementia Villages, o design dos espaços pode incluir elementos visuais, auditivos e táteis que estimulem as habilidades cognitivas e sensoriais dos residentes. Por exemplo, o uso de cores contrastantes, texturas diferenciadas e materiais interativos pode ajudar a manter a cognição e a estimular os sentidos dos residentes.
Orientação espacial e design intuitivo
A neurociência aplicada à arquitetura destaca a importância de criar espaços que facilitem a orientação espacial e a navegação. Nas Dementia Villages isso é essencial para ajudar os residentes a se movimentarem de forma autônoma e segura. O design intuitivo, que utiliza elementos visuais distintos e estratégias de sinalização, pode orientar os residentes, reduzir a desorientação e aumentar a confiança em seu ambiente.
Iluminação e ciclo circadiano
A luz desempenha um papel fundamental no ritmo circadiano e na saúde das pessoas. A neuroarquitetura destaca a importância de uma iluminação adequada, considerando a variação de luz ao longo do dia e a exposição à luz natural. Nas Dementia Villages, isso pode ser especialmente relevante para regular os ciclos de sono-vigília dos residentes, melhorando seu bem-estar físico e emocional.
Personalização e familiaridade
A neuroarquitetura também enfatiza a importância da personalização e da familiaridade no ambiente físico. Nas Dementia Villages, é crucial criar espaços que sejam adaptados às necessidades individuais dos residentes, considerando suas experiências de vida e preferências pessoais. Elementos personalizados, como fotografias, objetos familiares e layouts que reflitam suas histórias de vida, podem ajudar a criar um ambiente familiar e acolhedor.
As Dementia Villages têm experimentado uma ascensão constante devido ao seu foco na autonomia, qualidade de vida e bem-estar dos residentes. Esses locais proporcionam um ambiente adaptado, seguro e estimulante, que permite às pessoas com demência viverem com dignidade e conforto.
A crescente conscientização sobre as necessidades das pessoas com demência, as evidências científicas que respaldam os benefícios desse modelo e a busca por abordagens centradas na pessoa, presentes na neuroarquitetura, contribuem para sua expansão. Essa abordagem inovadora no cuidado de pessoas com demência oferece uma alternativa aos modelos tradicionais de cuidado e promove uma nova perspectiva sobre como criar ambientes que atendam às necessidades específicas dessa população vulnerável.
Artigo de Ciro Férrer Herbster Albuquerque
Arquiteto e Urbanista. Consultor e Pesquisador Acadêmico com foco em Envelhecimento Humano, Saúde Cognitiva, Direito à Cidade, Planejamento Urbano e Quadros Neurodegenerativos. Mestrando no Programa de Arquitetura, Urbanismo e Design, Linha de Pesquisa de Planejamento Urbano e Direito à Cidade, do PPGAU+D, na Universidade Federal do Ceará (UFC). Pós-Graduado em Estudos em Geriatria e Gerontologia | Neurociência e Aprendizagem | Neurociência e Comportamento Humano | Neuroarquitetura — Neurociência aplicada à Arquitetura, Urbanismo e Design. Membro da Academy of Neuroscience for Architecture (ANFA), da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), da Associação Brasileira de Ergonomia (ABERGO) e da da Rede Internacional de Ações Sustentáveis (RIAS).
CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/0666852888373253
Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-7462-6941
E-mail: ciro.ferrer@hotmail.com ou ciro.ferrer@alu.ufc.br