
O meu metro quadrado | Maria Fradinho . Arquiteta . Fundadora do atelier Frari
Confinamento é uma palavra que nunca mais terá o mesmo significado para mim.
Deixou de ser estranha, que aconteceu a alguns, em algum lugar, num determinado espaço de tempo, passou a ser minha e de um agora que dura há demasiado tempo.
Eu não sei se “vai ficar tudo bem”, senão que nada será igual, mas nem tudo para pior!
E porque haveria eu de querer que tudo ficasse igual, se este profundo conhecimento revelou-me pistas sobre como ficar melhor do que antes, em vários aspectos?
Hoje a minha casa já não me serve só para algumas horas, mas sim para todas as horas, dia e noite.
A minha casa já não me serve só para dormir, e fazer algumas refeições, mas sim para todas as refeições e ainda: trabalhar, educar a minha filha, praticar exercício físico e todas as outras tarefas que quero (e ainda posso) fazer.
Eu olhava para a minha casa, mas não a via…até hoje!
E como vi a minha casa mudar…
A minha casa ganhou uma nova vida, e com ela novos espaços, tal como um pequeno, mas tão importante, espaço de transição entre o sujo e o limpo, entre o possivelmente infectado e o desejavelmente não infectado, ganhou um extraordinário Hall de Entrada.
Este transformou-se numa câmara de transferência, no meu local de segurança, onde abandono os sapatos, e roupas, que me serviram para uma (aconselhavelmente esporádica) saída, para depois me proteger com peças que acredito estarem imaculadas. Este hall de entrada nunca mais foi/será o mesmo. Bem certo é tratá-lo como ele (infelizmente) nunca foi tratado, com as devidas dimensões e equipamentos que me permitam fazer todo este exercício mirabolante, sem que depois fique com uma imagem de guarda-roupa/despensa/caos, porque afinal, é um hall de entrada!
A minha casa ganhou ainda um espaço mágico, que me permite viajar e comunicar. Ganhou o espaço da Interação Digital. Um espaço singular que, independentemente da área que ocupa, me permitiu extravasar os limites da minha casa, para mais além. Para todo o lado!
Neste espaço, onde religiosamente guardo a minha janela para o mundo, cumpro as minhas tarefas profissionais e expedições digitais, e nele se impuseram questões de isolamento acústico, de controlo solar, de organização/arrumação, afinal é tão importante para o sucesso dessas experiências.
Descobri que é possível trabalhar a partir de casa, que é possível visitar um museu a partir de casa, reunir com amigos para jantar, sem sairmos de casa…
A lotação esgotada de utentes da habitação com interesse nas expedições online fez com que a criatividade de localizações deste uso fosse recorrente, mas nem sempre o local para alojá-lo foi bem escolhido: recordo as dores de costas de quando ocupou o sofá, ou o inconstante arruma e desarruma de quando ocupou a mesa de jantar, e ainda o quanto pouco produzi (por total sonolência) quando experimentei ocupar o quarto para trabalhar…enfim, a procura por um escritório digno de receber a interação digital está nos meus planos, seguramente!
Neste dia-noite sem fim, percebi o verdadeiro valor dos espaços da minha casa, a sua luz, as vistas, a flexibilidade da mobilidade interior, a dimensão e articulação dos espaços interiores, a arrumação, o conforto…nada foi descurado, tudo foi alvo de análise!
Os espaços exteriores, que por sorte nunca foram encerrados e transformados em marquises, como porventura tenha acontecido num qualquer edifício vizinho, revelaram-se a jóia da minha experiência de confinamento.
Na minha sala exterior pude tomar refeições ao ar livre, ler um livro na sombra de um dia quente, pude ver a minha filha correr com os pés descalços sobre a relva, enquanto tentava apanhar borboletas…
Na minha sala exterior, quero continuar a contemplar a natureza e ver o céu como um cenário onde atuam andorinhas, melros, águias, cegonhas, gaivotas, corujas, morcegos (puxa como é rico o céu aveirense!), quero perder-me na imensidão da contemplação estelar… Não posso perder a oportunidade destes usos, porque a minha sala exterior tornou-se no espaço que me deixa “respirar” e sentir-me livre, cá dentro.
Para o futuro, tenho a certeza de os manter assim: exteriores! E onde eventualmente cabiam apenas 2 cadeiras, permitir que caiba também uma mesa e, ainda, proporcionar a iluminação, a proteção às chuvas e vento, e demais elementos que potenciem uma sala exterior ideal para mim.
E tantos mais espaços foram absorvidos pelo conhecimento e sabedoria desta experiência…
Nestes longos dias de confinamento, dei valor ao meu “metro quadrado”!
Ganhei a certeza de querer que este (que terá de ser mais do que nos temos habituado) seja salubre e livre, que potencie tanto o convívio como o retiro. O meu “metro quadrado” no mundo é de facto a minha casa, esse espaço fantástico que me potencia proteção, segurança, conforto e qualidade de vida.
Durante todo este tempo, o meu lar acolheu a minha vida por inteiro: os afetos familiares, as tarefas diárias, os exercícios profissionais, as experiências culturais e desportivas enfim, tudo. Neste pequeno espaço, a que chamo de meu, encontrei o refúgio para garantir a minha saúde, mas revelou-se mais do que isso, afinal ele é responsável pela minha felicidade!
E tu, onde queres acordar amanhã?
Artigo de Opinião © Maria Fradinho (20-05-2020)