Antonio Covas

O parque agroecológico, um lugar central na economia da rede urbana

Categorias: Território

A Estratégia Nacional dos Territórios Inteligentes (ENTI) foi publicada no passado mês de dezembro através da Resolução do Conselho de Ministros (RCM) nº 176/2023 de 18 de dezembro. Nela se refere não apenas a definição da estratégia propriamente dita, como, também, o plano de ação da ENTI (anexo II) e a arquitetura de referência para as plataformas de gestão urbana, ARPGU (anexo III). Eis um bom pretexto para apresentar aqui um território inteligente, o parque agroecológico, que pode reunir todas as características de um novo lugar central na economia da rede urbana.

O conceito de parque agroecológico inscreve-se na linha dos ecossistemas de base territorial que podem ser definidos e observados em várias escalas territoriais. Uso como exemplo a região do Algarve para realçar esta multiescalaridade da rede territorial. Assim, podemos ter o parque agroecológico da campina de Faro (1) para um território essencialmente periurbano. Podemos ter o parque agroecológico para uma rede urbana de proximidade (2), por exemplo, a ecopólis de Faro-Olhão-Loulé-S.Brás. Podemos ter o parque agroecológico de uma unidade de paisagem (3), por exemplo o barrocal algarvio. Finalmente, podemos ter o parque agroecológico intermunicipal (4) correspondente à área de uma comunidade intermunicipal (CIM) como o Algarve. Como resulta evidente, esta multiescalaridade pode estar, ainda, na base de um complexo agroecológico regional (5) e ser a porta de entrada para aquilo que, em outros escritos, eu designei como a transição para a 2ª ruralidade (Covas e Covas, 2012).

Nesta agroecologia de rede urbana as estruturas ecológicas municipais, as infraestruturas e os corredores verdes terão um lugar proeminente na programação e planeamento do território, assim como na prevenção e na terapêutica urbanas. Estas infraestruturas ecológicas, que eu aqui designo como os operadores biofísicos da rede urbana serão essenciais na projeção da rede e sua consistência territorial, pois elas funcionarão como as placas giratórias do parque agroecológico e, portanto, da própria rede urbana intermunicipal. Para lá destes operadores principais, recordo, ainda, outros operadores que podem funcionar como pontos focais do parque agroecológico da rede urbana, tudo dependendo da escala territorial adotada e, obviamente, das opções políticas tomadas: as redes integradas de micro geração energética, a bioregulação climática e a construção sustentável, a economia do carbono, o bosquete multifunções e a floresta de fins múltiplos, a rede agroalimentar intermunicipal e os circuitos curtos de comercialização, os lagos biodepuradores e a compostagem urbana, a construção de amenidades agroecológicas e recreativas, o restauro e promoção de serviços de ecossistema, mas, também, a formação de comunidades de risco para a prevenção e o combate às alterações climáticas e suas consequências, comunidades locais de habitação, ensino e saúde pública, comunidades locais de saúde ambiental, comunidades locais para apoio à sociedade sénior (serviços ambulatórios), comunidades locais para a gestão de aldeias turísticas, quintas pedagógicas e recreativas e bancos de residências e alojamento local, etc. Em todos estes casos, o parque agroecológico funciona como um território inteligente da rede urbana intermunicipal que pode dar coerência ao conjunto dos pontos focais mencionados se, para tanto, formos capazes de cumprir algumas exigências mínimas indispensáveis.

Em primeiro lugar, o parque subscreve um protocolo colaborativo com a escola profissional agrícola e a escola superior agrária mais próximas tendo em vista criar um banco de estágios de investigação-ação em estreita associação com o clube de produtores do parque entretanto constituído. O objetivo final é estimular o surgimento de jovens empresários rurais e a criação de uma rede de cooperação e extensão agro rural.

Em segundo lugar, o parque agroecológico administra um banco de solos com o objetivo de dar acolhimento aos jovens empresários locais e, assim, promover a rede agroalimentar local e multilocal, bem como a rede urbana de circuitos curtos de comercialização.

Em terceiro lugar, o parque agroecológico é a estrutura de acolhimento preferencial do clube de start-ups em íntima associação com os centros de investigação, os laboratórios colaborativos e os grupos operacionais de investigação e, muito em especial, o local de acolhimento do centro partilhado de recursos digitais e a plataforma de coworking e residência para jovens estagiários de todo o mundo que colaboram com o parque em regime de trabalho voluntário nas atividades agroambientais e rurais.

Em quarto lugar, os serviços públicos de agricultura, ambiente e alimentação e a economia circular correspondente podem contratualizar com o parque a instalação nos espaços do parque dos seus departamentos de formação, planeamento, experimentação e extensão, um acolhimento que pode ter lugar em quintas experimentais, pedagógicas, recreativas e terapêuticas para todos os públicos e, em especial, para os mais jovens.

Em quinto lugar, o parque agroecológico da rede urbana intermunicipal é um lugar privilegiado para a visitação turística, científica e cultural, se pensarmos na observação dos endemismos locais, na observação de aves, nos percursos de natureza, no desporto de orientação, nas artes da paisagem e nas múltiplas atividades de agroturismo com a participação direta dos visitantes nas rotinas do trabalho diário.

Em sexto lugar, o parque agroecológico, em qualquer das suas escalas, tem uma responsabilidade especial na comunicação simbólica dos seus diversos sinais distintivos cujo valor imaterial é decisivo para valorizar a sua carteira de bens e serviços, assim como os seus mercados de nicho, denominações de origem, indicações geográficas, marcas coletivas, produtos de artesanato, destinos turísticos, gastronomia e identidade cultural.

 

Nota Final

Agora que se prepara uma estratégia nacional para territórios inteligentes e em que quase dois terços dos municípios portugueses se localizam em áreas de baixa densidade, é fundamental que, aos níveis regional (NUTS II) e sub-regional (CIM), haja uma coordenação efetiva de todas as medidas de política pública, pois é no quadro regional que os benefícios de contexto ganham escala, massa crítica e pensamento próprio acerca das economias de rede e aglomeração mais indicadas em cada território. O parque agroecológico da rede urbana intermunicipal, pelo seu metabolismo particular, funcionalidades e hiperligações produtivas e criativas, é, seguramente, um novo lugar central nas relações cidade-campo e uma porta aberta para a 2ª ruralidade. De facto, pela gama de produtos e serviços que oferece o parque estimulará o rejuvenescimento e a atratividade territorial, assim como a formação de uma economia rural muito dinâmica que nos conduzirá até à criação de um setor novo, a economia BCC, ou economia dos bens comuns colaborativos. Se tal acontecer, estaremos lentamente a passar da agricultura para a agrocultura. Só falta, mesmo, que esta tripla responsabilidade – biodiversidade, produção biológica, serviços de ecossistema – seja plenamente reconhecida pela PAC e que esta economia BCC seja eleita dentro em breve como o 3º grande pilar da PAC, caso contrário, estaremos cada vez mais próximos de uma nova tragédia dos comuns.

Artigo de António Covas publicado no JN

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