
Os terceiros lugares na cidade – Os arquitetos sabem que não é possível arquitetar as relações humanas, mas podem definir as condições sob as quais estas acontecem. Uma rede forte de terceiros lugares nos bairros da cidade é vital para isso acontecer.
As cidades são construídas por camadas e o lugar é a camada de significação com identidade e memória. Este é o espaço(s) urbano(s) onde nos sentimos bem-vindos, onde estamos com conhecidos e desconhecidos, aquele que nos oferece a oportunidade de ser cidadão da cidade.
O valor de estar no mesmo espaço como iguais não é transversal a todas as camadas da cidade, e a sua ausência têm um forte impacto social em qualquer democracia forte e saudável.
Para o sociólogo urbano Ray Oldenburg, autor da obra “The Great Good Place” (1989), os denominados “terceiros lugares” são centrais para a democracia local e vitalidade da vida pública e em comunidade. Os locais de encontro público acessíveis, onde as pessoas socializam, se divertem e partilham ideias, são a “sala de estar de uma comunidade”. São espaços onde o ritmo é definido pelas pessoas que o habitam.
O autor identifica que o tempo é diferente do que é passado no primeiro lugar (casa) e no segundo (trabalho). Uma vida saudável precisa de um equilíbrio entre os três, sublinhando a relevância das relações sociais no espaço público.
Os arquitetos sabem que não é possível arquitetar as relações humanas, mas podem definir as condições sob as quais estas acontecem. Uma rede forte de terceiros lugares nos bairros da cidade ajuda a “construir conexões sociais e económicas vitais para sair do contexto de pobreza que algumas camadas das cidades têm”.
O desafio é ter um olhar crítico sobre o papel dos terceiros lugares no fortalecimento do sentido de comunidade em territórios fragmentados, assegurando que as pessoas utilizam os espaços públicos e encorajam permanências individuais mais longas. Em suma, o direito a viver no espaço público da cidade.
A Coroa Norte do Concelho de Lisboa, a zona da Ameixoeira, é um dos territórios fragmentados composto por bairros de génese ilegal, bairros de realojamento, proliferação de vazios urbanos e terrenos expectantes, e ausência de terceiros lugares, que geram um efeito de ilha e gueto na cidade.
Na Escola de Inverno “Do lugar à cidade: construção coletiva do habitat”, arquitetos, geógrafos, antropólogos, sociólogos e agentes comunitários desenvolveram várias estratégias com o município de Lisboa para ativar ou criar uma rede de terceiros lugares para reduzir as diferenças sociais existentes.
A cultura, a ecologia e a mobilidade foram os motes para desenhar e construir uma cidade espacialmente justa, num compromisso com o lugar e com a comunidade. A construção de uma visão de longo prazo só é possível na mudança da paisagem da cidade e das vidas de seus habitantes.
Académicos e não académicos contribuíram para recentrar a construção coletiva do habitat em estratégias mediadoras, inerentes a processos de negociação, no desenho do espaço público. Trata-se da construção coletiva de uma visão, estratégia e soluções através de uma abordagem sustentável, transdisciplinar e integrada para territórios fragmentados. Uma abordagem que permitiu olhar com atenção para a profundidade da relação entre a cidade e as comunidades que devem ser alimentadas por “terceiros lugares”.
Artigo publicado no © Jornal Económico . Alexandra Paio, Docente do ISCTE-IUL . 11 mar 2023,