Ciro Férrer

Que tal uma pausa para o Banho de Floresta?

Que tal uma pausa para o Banho de Floresta? O poder da natureza esquecida nos centros urbanos

 Por Ciro Férrer Herbster Albuquerque

O “Banho de Floresta”, conhecido como Shinrin-Yoku no Japão [I], emergiu nos anos 1980 como uma prática amplamente adotada, recomendada pelo governo japonês como uma resposta ao ritmo acelerado da vida urbana e como um incentivo à preservação ambiental. Promovida pelos serviços de saúde pública, essa prática tem se expandido para outros países, como Austrália, Estados Unidos, Alemanha e Brasil, acompanhando uma crescente valorização científica do contato com a natureza como uma necessidade essencial para o bem-estar humano. Pesquisas, como as realizadas pela Universidade de Chiba no Japão e no Instituto Max Planck de Desenvolvimento Humano na Alemanha [II], evidenciam os benefícios fisiológicos e psicológicos associados a ambientes naturais, incluindo: a redução dos níveis de cortisol — o chamado “hormônio do estresse” — [III]; o fortalecimento do sistema imunológico, como o efeito protetivo contra a proliferação de células cancerígenas [IV]; a diminuição da pressão arterial; o alívio de sintomas depressivos; e o aumento da concentração.

Dada a acessibilidade do Japão de possibilitar condições de alcance da população às áreas verdes, onde 67% do território é composto por florestas [I], o Shinrin-Yoku tornou-se uma prática cotidiana para muitas pessoas. Nos centros urbanos, a prática é adaptada por meio de visitas a parques ou áreas verdes, em atividades que envolvem caminhar lentamente e de forma equilibrado em superfícies naturais, sentir aromas, tocar nas folhas, ouvir sons da natureza e contemplar as formas e as cores da vegetação, permitindo uma imersão multissensorial completa. Essa conexão intencional com elementos naturais promove uma harmonização entre o indivíduo e o ambiente, favorecendo o relaxamento físico e mental [V]. Tais benefícios podem ser evidenciados entre 10 a 15 minutos. Considerando que, ao longo de cerca de 7 milhões de anos, os seres humanos viveram aproximadamente 99,99% de sua história em contato direto com o mundo natural [I], esse vínculo passou a ser mais que compreensível.

Regulação da Glicose no Sangue

Um experimento realizado com 87 diabéticos não insulinodependentes avaliou o impacto do banho de floresta na redução dos níveis de glicose. Após caminharem entre 3 e 6 quilômetros em ambiente florestal, os participantes apresentaram uma queda significativa da glicemia, com uma média de 179 mg/dL para 109 mg/dL.

Para diferenciar os efeitos do ambiente natural da simples atividade aeróbica, os pacientes também foram monitorados enquanto caminhavam em esteiras e piscinas cobertas. Os resultados mostraram que a redução da glicose foi de 21,2% nesses ambientes, enquanto aqueles que caminharam na floresta apresentaram uma redução ainda maior, de 39,7% [VI]. Isso sugere que a exposição à natureza potencializa os benefícios da caminhada, possivelmente por meio da redução do estresse e de outros fatores ambientais positivos.

Fortalecimento do Sistema Imunológico

Outro estudo japonês investigou o impacto do banho de floresta na imunidade. Homens entre 35 e 56 anos participaram de uma viagem de três dias e duas noites a uma floresta, enquanto um grupo de controle fez uma viagem turística a uma cidade. Os resultados indicaram que a atividade das células natural killers (NK) – responsáveis pela resposta rápida do sistema imunológico contra células infectadas – aumentou significativamente após a exposição à floresta e permaneceu elevada por mais de sete dias. Além disso, houve uma redução significativa na concentração de adrenalina na urina, um marcador de estresse. Em contrapartida, a viagem à cidade não produziu efeitos significativos nesses parâmetros [IV].

Os pesquisadores sugerem que esse fortalecimento do sistema imunológico pode estar relacionado à inalação de fitoncidas – compostos voláteis liberados pelas árvores – e à redução do hormônio do estresse, ambos fatores que podem potencializar a resposta imunológica do organismo [IV].

Esses achados reforçam a importância do contato com a natureza não apenas para o bem-estar emocional, mas também para a saúde física, indicando que políticas urbanas e de saúde pública podem se beneficiar da incorporação de espaços naturais acessíveis às populações urbanas.

Espaços verdes e a cidade

Entretanto, a disponibilidade de espaços verdes nas cidades brasileiras é preocupantemente baixa. De acordo com o MapBiomas em 2024, apenas 6,9% das áreas urbanas no Brasil possuem cobertura vegetal, o que corresponde a 283,7 mil hectares, cerca da metade da extensão do Distrito Federal [VII]. A distribuição desigual dessa vegetação acentua as disparidades socioeconômicas, agravando os efeitos das ilhas de calor, a degradação ambiental e a maior disponibilidade de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera. Áreas urbanas com menos de 30% de cobertura vegetal enfrentam um aumento significativo das temperaturas locais, enquanto as árvores desempenham um papel crucial na regulação do microclima, criação de habitats para a fauna local, drenagem urbana e melhoria da qualidade de vida dos habitantes [VII].

Benefícios naturais para todos

Além dos impactos ambientais, os efeitos terapêuticos das florestas são amplamente documentados. No livro, Foresth Bathing: How Trees Can Help You Find Health and Happiness (Banho de Floresta: Como Árvores Podem Ajudar a Achar Saúde e Felicidade), O doutor Qing Li demonstra estudos em que as árvores liberam compostos voláteis, como phytoncides, que possuem propriedades antimicrobianas e fortalecem o sistema imunológico. Aromas cítricos liberados pelas plantas têm efeitos positivos no sistema endócrino — responsável pela produção dos hormônios —, enquanto a exposição à natureza reduz os níveis de cortisol e dopamina, promovendo maior estabilidade emocional e cognitiva. A imersão em ambientes naturais também contribui para a redução da pressão arterial, melhora a qualidade do sono e alivia sintomas de ansiedade e depressão, além de estimular a produção de endorfinas – hormônio associado à felicidade e ao bom humor durante — atividades físicas leves, como caminhadas. Os benefícios também se estendem a crianças e adultos com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), além de apresentarem efeitos terapêuticos em quadros de esquizofrenia e no manejo da demência em pessoas idosas [IX].

Estilo de vida urbano, saúde mental e natureza esquecida

Paradoxalmente, o estilo de vida urbano, embora ofereça avanços tecnológicos e maior acesso a bens e serviços, impõe um ritmo acelerado que compromete a saúde mental e física de muitos cidadãos. A poluição, a falta de espaços abertos e o estresse urbano contribuem para o aumento de transtornos psicológicos, como ansiedade e depressão, condições que, em 2017, afetaram 10,7% da população mundial, segundo estimativas [X]. No Brasil, o quadro é alarmante: o país ocupa a primeira posição global em prevalência de ansiedade, refletindo a necessidade urgente de estratégias para mitigar os impactos do ambiente urbano sobre a saúde mental.

Envelhecimento e a Saúde Cognitiva

A interação com ambientes naturais promove a restauração cognitiva, melhora a memória de trabalho e fortalece o controle atencional, reduzindo o estresse e ampliando o bem-estar. Caminhadas e terapia florestal demonstraram benefícios na concentração, no desempenho em testes cognitivos e na redução de fatores de risco para demência, especialmente em pessoas idosas. Mesmo exposições breves à natureza já resultam em ganhos significativos, tornando-se uma estratégia promissora para prevenir o declínio cognitivo e melhorar a qualidade de vida.

Neste ano, o estudo conduzido por Ramapong e colaboradores, com 46 pessoas com 65 anos ou mais, evidenciou que o banho de floresta autoguiado contribui significativamente para a melhora da atenção, da memória de trabalho e da criatividade em idosos, proporcionando uma estratégia natural para atenuar o declínio cognitivo. Além disso, a frequência elevada de visitas semanais a ambientes florestais está associada a um desempenho cognitivo aprimorado em adultos mais velhos. A pesquisa foi conduzida na Xitou Nature Education Area (XNEA), uma área de recreação florestal suburbana em Taiwan conhecida por sua promoção da terapia florestal e sua contribuição para melhorar a saúde pública por meio de experiências imersivas na natureza [XI].

Exemplos de projetos urbanos de requalificação no Brasil

O investimento em projetos e políticas públicas voltados à preservação, requalificação e ampliação de áreas verdes nas cidades brasileiras pode reduzir a ativação crônica de regiões cerebrais associadas ao estresse, contribuindo para a diminuição de transtornos mentais na população. Exemplos relevantes incluem o Programa de Revitalização do Centro Histórico de São Luís do Maranhão, lançado pela Secretaria de Projetos Especiais (SEMPE) com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que, em 2020, entregou à população a Praça da Saudade, promovendo atividades comunitárias e valorização da natureza. Outras iniciativas incluem o Parque da Criança (2021) e o Parque Urbano Rachel de Queiroz (2022), concluídos em Fortaleza, Ceará, e o Parque Princesa Isabel, inaugurado em São Paulo em outubro de 2024, sob gestão da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA). Contudo, vale ressaltar que a efetividade desses projetos depende de sua integração com estratégias que garantam acessibilidade universal e mobilidade ativa, assegurando condições adequadas para o acesso, permanência e deslocamento seguro e inclusivo nos espaços revitalizados.

Projetos de resiliência climática além do tempo

Tais iniciativas, além de mitigar os impactos das mudanças climáticas e ampliar a resiliência ambiental, são fundamentais para fomentar o envelhecimento saudável e ativo. Também contribuem para a redução dos custos relacionados ao tratamento de doenças crônicas associadas ao estilo de vida urbano, como sedentarismo e depressão. Nesse contexto, o Shinrin-Yoku, adaptado às dinâmicas urbanas, surge como um modelo promissor para incorporar a natureza no cotidiano e transformar os espaços urbanos em ambientes voltados à saúde e ao equilíbrio ecológico. No entanto, é necessário maior envolvimento por parte da sociedade em conduzir as gestões de planejamento urbano das cidades brasileiras em prol da preservação de áreas verdes, possibilitando banhos de florestas mais acessíveis e democráticos.

 

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Neurourbanism and Biophilic Design integrated to Healthy Aging: mitigating heat waves during the Global Climate Crisis, escrito por Ciro Albuquerque e Zilsa Santiago
(https://www.researchgate.net/publication/384635356_Neurourbanism_and_Biophilic_Design_integrated_to_Healthy_Aging_mitigating_heat_waves_during_the_Global_Climate_Crisis).

 

Neurourbanismo Aplicado às Cidades Longevas: proposições para Ambientes Enriquecidos em prol do Envelhecimento Saudável, escrito por Ciro Albuquerque e Zilsa Santiago
(https://www.researchgate.net/publication/383327727_NEUROURBANISMO_APLICADO_AS_CIDADES_LONGEVAS_PROPOSICOES_PARA_AMBIENTES_ENRIQUECIDOS_EM_PROL_DO_ENVELHECIMENTO_SAUDAVEL).

 

Referências:

I. KOTERA, Yasuhiro; RICHARDSON, Miles ; SHEFFIELD, David. Effects of Shinrin-Yoku (Forest Bathing) and Nature Therapy on Mental Health: a Systematic Review and Meta-analysis. International Journal of Mental Health and Addiction, v. 20, n. 1, 2020.

II. SUDIMAC, Sonja; SALE, Vera ; KÜHN, Simone. How nature nurtures: Amygdala activity decreases as the result of a one-hour walk in nature. Molecular Psychiatry, v. 27, n. 11, 2022. Disponível em: <https://www.nature.com/articles/s41380-022-01720-6>.

III. TOST, Heike; CHAMPAGNE, Frances A ; MEYER-LINDENBERG, Andreas. Environmental influence in the brain, human welfare and mental health. Nature Neuroscience, v. 18, n. 10, p. 1421–1431, 2015. Disponível em: <https://www.nature.com/articles/nn.4108>.

IV. LI, Q.; MORIMOTO, K.; NAKADAI, A.; et al. Forest bathing enhances human natural killer activity and expression of anti-cancer proteins. International Journal of Immunopathology and Pharmacology, v. 20, n. 2 Suppl 2, p. 3–8, 2007. Disponível em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/17903349/>.

V. PEEN, Jaap; DEKKER, Jack; SCHOEVERS, Robert A.; et al. Is the prevalence of psychiatric disorders associated with urbanization? Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology, v. 42, n. 12, p. 984–989, 2007.

VI. OHTSUKA, Y.; YABUNAKA, Noriyuki ; TAKAYAMA, Shigeru. Shinrin-yoku (forest-air bathing and walking) effectively decreases blood glucose levels in diabetic patients. International Journal of Biometeorology, v. 41, n. 3, p. 125–127, 1998.

VII. MAPBIOMAS. Só 6,9% das áreas urbanas do país são cobertas por vegetação. Agência Brasil. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-07/so-69-das-areas-urbanas-do-pais-sao-cobertas-por-vegetacao>. Acesso em: 24 fev. 2025.

VIII. RAMANAN, S. Suresh . Qing Li: Forest bathing – how trees can help you find health and happiness. Agriculture and Human Values, v. 36, n. 2, p. 367–368, 2018.

IX. KELLER, Jennifer; KAYIRA, Jean; CHAWLA, Louise; et al. Forest Bathing Increases Adolescents’ Mental Well-Being: A Mixed-Methods Study. International Journal of Environmental Research and Public Health, v. 21, n. 1, p. 8, 2024. Disponível em: <https://www.mdpi.com/1660-4601/21/1/8>.

X. CARVALHO, Rone. Por que o Brasil tem a população mais ansiosa do mundo. G1. Disponível em: <https://g1.globo.com/saude/noticia/2023/02/27/por-que-o-brasil-tem-a-populacao-mais-ansiosa-do-mundo.ghtml>. Acesso em: 20 maio 2025.

XI. RAMANPONG, J.; TSAO, Chen; YIN, Jie; et al. Effects of forest bathing and the influence of exposure levels on cognitive health in the elderly: Evidence from a suburban forest recreation area. Urban forestry & urban greening, v. 104, p. 128667–128667, 2025.

 

Artigo de  Ciro Férrer Herbster Albuquerque

Arquiteto e Urbanista. Pós-Graduado em Neurociência, Gerontologia e Neuroarquitetura. Mestrando no Programa de Arquitetura, Urbanismo e Design, Linha de Pesquisa de Planejamento Urbano e Direito à Cidade, do PPGAU+D, na Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza, Ceará. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7462-6941 . E-mail: ciro.ferrer@hotmail.com.

 

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