Uma nova forma de projetar | Gonçalo Nobre da Veiga . Arquiteto
Agora que estamos a sair do primeiro, e esperemos único, período de confinamento geral forçado, e à medida que a vida vai tentando regressar a uma normalidade seguramente diferente, surgem as primeiras reflexões sobre estes tempos em que ficámos confinados nas nossas casas e o que isso pode significar na nossa forma de viver no futuro.
Se muitas das perceções adquiridas vão voltar ao normal, muito mudou. Não tenho dúvidas que desta experiência advirão novas formas de estar e de viver e que tal pesará nas decisões a tomar no desenho de projetos futuros e na aquisição de novas casas.
Uma experiência deste tempo levará certamente a um melhor conhecimento dos nossos limites, desejos e ambições. Sabemos melhor o que gostaríamos de ter tido e de alterar no que já temos, quais as necessidades que queremos ver satisfeitas.
Depois de meses fechados num apartamento sem varanda, quem não sonha com um jardim, um pequeno pátio, ou apenas uma varanda onde consigamos colocar uma cadeira para tomar o pequeno almoço de manhã? Que respostas deverá ter a arquitetura pós-pandemia a essas necessidades de espaço?
Acredito que uma das maiores tendências da arquitetura de interiores moderna será o impacto no “open-plan” ou “living”. Nos últimos anos, abdicámos dos halls de entrada. As cozinhas abriram para as salas, bem como as salas de refeição. As razões eram várias mas nenhuma delas tinha o impacto inescapável gerado pela necessidade de termos espaço aberto no interior das nossas casas, verdadeiro espaço vital, arejado, saudável e capaz de compensar a claustrofobia imposta por uma quarentena.
No inicio da pandemia, tudo lá fora era inseguro, e antes de nos começarmos a habituar ao “novo normal”, também tudo era motivo de preocupação, desde as filas à porta dos supermercados, a dificuldade para adquirir alguns bens essenciais, até à necessidade de recolhimento nas casas-refúgio, longe dos grandes polos urbanos. No entanto, acredito que o hall de entrada possa voltar a ter uma posição central na casa, servindo como área de “descontaminação”, onde podemos trocar de roupa, tirar sapatos e deixar as coisas que trazemos da rua.
O que me leva a outro tema, a qualidade do ar. Sistemas de filtragem e “limpeza”, serão em breve desenvolvidos e tornados mais acessíveis, à medida que a procura cresça, desenvolvendo sistemas que filtram e limpam todo o ar que entra e recircula o existente, filtrando qualquer hipótese de desenvolvimento de vírus.
Estas são mudanças que vêm também impactar a forma e os lugares onde trabalhamos. Não é uma coincidência que muito recentemente, uma das maiores pesquisas no Google foi “Home office”. A organização espacial da casa vai alterar-se por forma a criar espaços que permitam o teletrabalho, claramente reforçado, após a experiência de confinamento social em que vivemos.
Com o teletrabalho mais comum, deixaremos os cantos debaixo das escadas, de trabalhar na mesa de jantar ou na cozinha, para passar a criar espaços com mais qualidade e maior independência. Espaços luminosos, com janelas e mobiliário confortável e adequado, apropriados a conference calls, que são hoje parte do nosso dia-a-dia.
À inevitabilidade das alterações físicas dentro das nossas casas, temos que somar a oportunidade para refletir nas mudanças na nossa forma de viver, trabalhar e de existir. Mais do que adaptar as nossas casas para o teletrabalho, para a possibilidade de novos períodos de quarentena, a arquitetura deverá pensar respostas para toda uma nova forma de existir onde a saúde física e mental do seu cliente será o centro das preocupações.
Artigo de Opinião no © Expresso por Gonçalo Nobre da Veiga . Arquiteto