
Está aberta a guerra entre os arquitetos e os engenheiros na assinatura de projetos. O novo presidente da Ordem dos Arquitetos, José Manuel Pedreirinho afirma que o lobby dos engenheiros é muito forte.
A classe profissional dos arquitetos está novamente em guerra aberta com os engenheiros, tudo porque voltou a ser colocada em ‘cima da mesa’ a discussão sobre a assinatura dos projetos arquitetónicos. Depois de décadas de luta contra o polémico decreto lei 73/73, um decreto no qual se permitia que além dos arquitetos, também engenheiros e projetistas assinassem projetos de construção, o desfecho só surgiu com a sua revogação através da lei n.º31/2009, onde se estipula que, a partir daí, só os arquitetos poderiam assinar.
Mesmo depois de um ‘susto’ em 2015, a lei 227/XII continuou a garantir que os projetos de arquitetura só podiam ser assinados por eles. Deixou no entanto algumas reservas, nomeadamente no que diz respeito à fiscalização e direção de uma obra, tendo sido alvo de protesto por parte destes profissionais, a que se somou uma petição pública levada a cabo pela arquiteta Ana Bonifácio e subscrita por nomes como Álvaro Siza Vieira, Helena Roseta e, inclusive, o atual presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Depois de uma luta constante, o assunto volta de novo à discussão. A possibilidade de engenheiros civis poderem novamente assinar projetos espoletou, de novo, a polémica e, desta vez, foram os engenheiros que colocaram uma petição em defesa do exercício da profissão de engenheiro.
José Manuel Pedreirinho, recentemente eleito presidente da Ordem dos Arquitetos (OA), em entrevista ao Jornal Económico adiantou que, apesar do assunto voltar à discussão pública, não é um retorno total ao decreto 73/73. Apesar disso garantiu que a posição da Ordem é de que ‘a arquitetura é para os arquitetos’, não obstante os engenheiros argumentarem que tiveram uma disciplina de arquitetura no curso. “Mesmo assim, isso não lhes permite pensarem o espaço e terem a mesma abordagem vivencial, cultural, histórica, antropológica, sociológica e urbanística que têm os arquitetos”, esclarece.
Pedreirinho adianta ainda que o que está em causa neste momento é a transposição de uma Diretiva Europeia (nº 2013/55/UE) para a legislação nacional (PL 54/XIII), que tem como âmbito de aplicação o reconhecimento de qualificações profissionais adquiridas noutro Estado Membro da União Europeia, não sendo a legislação aplicável quando as qualificações profissionais têm origem em Portugal. Esta situação traz para a discussão os direitos adquiridos exigidos pelos engenheiros.
Apesar desta situação, o presidente da OA garante que apenas um número restrito de engenheiros civis poderão assinar – aqueles que tenham iniciado o curso até 1986/87 nas quatro universidades, Instituto Superior Técnico, em Coimbra, Minho e Porto, e que apresentem prova de que estiveram sempre ativos com apresentação de projetos. No entanto, mostra claramente que existe um lobby forte por parte dos engenheiros nesta resolução. “Há muito arquitetos desempregados, mas os engenheiros nesta situação são muitos mais. Existe ainda uma tradição cultural em que é o engenheiro que constrói, e esse estatuto é muito vincado em determinadas zonas do país”, admite.
O arquiteto refere, no entanto, que a nova lei se aplica apenas a projetos de construção nova. Contudo, garante que a Ordem está atenta na defesa dos direitos dos arquitetos e já pediu várias audiências junto do Governo. “Já conseguimos, inclusive, uma longa conversa com a presidência da República”, assegura.
Existe a noção que esta situação vai gerar ‘guerras’ também no acompanhamento de obras, uma situação que já vem desde a transposição da normativa europeia para a legislação portuguesa. Enquanto nos outros países foi colocada como provisória, na nossa foi definitiva, e apenas um erro permitiu abrir brechas na lei, o que tem merecido sempre uma contestação por parte da OA e dos arquitetos”, esclarece.
Outro problema na profissão, apontado pelo atual presidente, diz respeito aos honorários. Nos países europeus existe uma tabela fixa mas em Portugal os valores são variáveis, ao ponto de recentemente sair num concurso que o trabalho para um ateliê de arquitetura foi estipulado de dois euros por hora. “É um valor completamente inadmissível para qualquer profissional”, esclarece Pedreirinho.
Atualmente, existem cerca de 15 mil arquitetos na plenitude das suas funções mas no total são cerca de 24 mil os arquitetos inscritos na OA, sendo que cerca de 600 entraram em 2016. Apesar de novas entradas, o presidente revela que se tem verificado uma diminuição no número de alunos nos cursos de arquitetura.
Pratica-se uma reabilitação de ‘faz de conta’
O que demonstra que esta profissão tem vindo a sofrer com a queda do setor imobiliário. Nem mesmo a crescente dinamização da reabilitação tem ajudado ao aumento de trabalho para estes profissionais. Este é também um tema que o responsável pretende abordar com atenção durante o seu mandato. “Muita da necessidade da reabilitação nas cidades passa pela má construção que se praticou em Portugal. O que se faz atualmente está quase tudo mal, estamos a fazer uma reabilitação de ‘faz de conta’ e se antes não havia empresas especialistas em reabilitação, hoje continua a não haver”, salienta.
Mas não só a reabilitação urbana merece uma abordagem crítica por parte de José Manuel Pereirinho. O mesmo se passa com as discrepâncias dos elementos necessários para os projetos, nomeadamente nos Planos Diretores Municipais, nas legislações locais, “o que é numa câmara não é noutra. Na verdade, são muitos os obstáculos nesta profissão, desde logo no acesso, até aos concursos, tão exigentes e complicados que deixam de lado muitos jovens arquitetos”.
São muitos os temas difíceis que o novo presidente tem pela frente durante o seu mandato, mas a sua missão passa por aproximar a Ordem dos seus membros e também da sociedade. “O arquiteto não é um custo mas sim uma mais-valia”, conclui.
Fonte: Jornal Económico