
A Ordem dos Arquitectos apresenta parecer no âmbito do processo de consulta pública do pacote “Mais Habitação”, pacote de medidas apresentado pelo Governo para garantir e promover o Direito à Habitação e fazer frente à grave crise habitacional é globalmente positivo, mas pode e deve ser melhorado. Governo deve prestar mais atenção à dimensão da qualidade, pela defesa do interesse público, conferindo aos arquitetos um papel mais central na prossecução desse objetivo.
Apresentado publicamente pelo Governo no passado dia 16 de fevereiro, o programa “Mais Habitação” esteve sujeito a consulta pública até ao dia 24 de março.
Na sequência dessa apresentação, a Ordem dos Arquitectos (OA) declarou, numa primeira reação ao documento, ver “com bons olhos algumas das medidas anunciadas”, mas fazendo questão de salientar a necessidade do Ministério da Habitação proceder à convocação, com carácter de urgência, do Conselho Nacional de Habitação (CNH) para debater, refletir e discutir sobre as mesmas.
Após o pedido expresso da OA, a reunião do CNH concretizou-se no dia 3 de março e contou com a participação do seu Presidente, o arquiteto Gonçalo Byrne, a partir de Ponta Delgada, nos Açores, onde os membros da OA se encontravam reunidos no Congresso Nacional que abordou os temas da Habitação, Qualidade e Sustentabilidade. O Presidente transmitiu, em sede própria, a avaliação da OA sobre o programa “Mais Habitação”, dando ainda conta das principais preocupações da associação representativa dos arquitetos portugueses em relação ao documento.
De salientar também que, entre as suas diligências de análise, debate e reflexão sobre o problema da habitação e as medidas apresentadas pelo Governo, a OA desenvolveu ainda reuniões com partidos políticos, nomeadamente o PSD, que aprovou no passado dia 15, no Parlamento, um conjunto de dez propostas legislativas para a habitação. Simultaneamente, e ao longo das semanas de consulta pública, a Comissão Técnica de Habitação da OA teve a oportunidade de analisar atentamente o pacote de medidas, apresentando um parecer cujas conclusões são devidamente explicadas e sistematizadas no contributo que OA submeteu no âmbito do processo de consulta pública do programa “Mais Habitação”, documento que segue em anexo na sua versão integral.
Este é, pois, um contributo participado, inclusivo e que reflete um amplo trabalho conjunto e colaborativo realizado pela Ordem.
Classificando o programa “Mais Habitação” como “um conjunto articulado de medidas políticas positivas no sentido de promover o Direito à Habitação”, entre as principais observações da OA sobre o pacote de medidas apresentado pelo executivo, devidamente detalhadas no contributo submetido e aqui resumidamente apresentadas, destacam-se:
Redensificação Urbana Estratégica
Importa não apenas valorizar a flexibilidade nas mudanças de uso (consideradas nas propostas apresentadas pelo Governo), como também atribuir importância e consagrar mecanismos efetivos para uma adequada utilização de espaços vazios urbanos deixados “ao abandono” pelos seus proprietários (públicos e privados).
Da mesma forma será desejável que se desenhem instrumentos que contemplem a possibilidade de preencher descontinuidades internas de bairros, e entre bairros, fazendo um bom uso do espaço, promovendo intervenções que privilegiem intervenções para arrendamento a longo prazo.
Saúda-se e concorda-se com proposta de alteração ao artigo 44º do RJUE (única medida concreta no domínio deste diploma), no sentido de incluir a habitação pública ou de custos controlados como fim a dar (a par de outros) às cedências resultantes de operações de loteamento.
Requalificação da habitação pública existente
A par do aumento da oferta de imóveis, é essencial que se garanta a qualidade da habitação pública existente, promovendo projetos de requalificação do Parque habitacional público que respondam simultaneamente: ao combate à pobreza energética; ao reajuste das tipologias de fogo iniciais às necessidades e exigências atuais; à requalificação/criação do espaço público, garantindo a articulação destes bairros com a cidade consolidada.
Inovação da construção e tipologias de habitação
O Governo deve apresentar soluções habitacionais e urbanas especialmente adequadas à diversidade dos agregados familiares;
O Governo deveria ponderar, quanto às modalidades de intervenção mais direta do Estado numa renovada dinâmica de promoção habitacional de interesse social, a clarificação do respetivo papel em termos de promotor, parceiro, gestor, etc.
O Governo deve avaliar com muita cautela a promoção generalizada da “construção / habitação modular“, que pode comportar riscos de qualidade, de inadequação ao espaço público e gerar implicações socioeconómicas estigmatizantes. A inovação deve centrar-se mais na otimização dos processos de construção do que na modularidade em si, porque esta poderá não ser sinónimo de qualidade residencial global. A Ordem manifesta sérias apreensões quanto ao recurso generalizado de “construção / habitação modular”.
O Governo deve incorporar na legislação mecanismos que:
Promovam a inovação, incorporando os novos desafios que decorrem da crise climática na fileira económica;
Concebam novas formas de projetar que contribuam para a inovação na indústria da construção;
Admitam novas formas de encomenda, adequadas à especificidade dos contextos e abertas à inovação.
Uma nota importante sobre inovação: parece-nos também fundamental dar início à modernização dos sistemas de licenciamento, apostando na implementação faseada das novas ferramentas de informação e comunicação, como o Building Information Modeling, BIM.
Licenciar com termo de responsabilidade dos projetistas
Os arquitetos sublinham a urgência de um novo Código da Edificação – que reveja e consolide os mais de dois mil diplomas legais dispersos – fundamental para poderem exercer a responsabilidade que lhes é exigida, e à qual não se escudam, desde que, e quando, o Estado não se demita do seu papel. Simplificar não é isentar nem de controlo nem de responsabilização, é, antes de mais, eliminar burocracia e isso não está (na sua grande maioria) ao alcance de qualquer medida o Promotor, projetista e construtor devem ter as suas responsabilidades bem definidas, manifestando-se a Ordem totalmente contra normas desresponsabilizantes ao nível civil e contraordenacional, dos promotores, dos construtores, ou outros intervenientes que, já hoje por lei, têm tanta ou maior responsabilidade no processo construído, como seja o diretor da fiscalização e o revisor de projeto. O Governo deve refletir esta posição na legislação.
Destacam-se ainda, pela sua importância técnica:
É urgente impor a harmonização dos conceitos urbanísticos nos distintos Instrumentos de Gestão Territorial, e em toda a Administração Pública que lida com o urbanismo e edificação, como a Autoridade Tributária, o IMPIC, ou o Instituto Nacional de Estatística;
São apresentadas nove medidas concretas para a alteração do RJUE para resolver entropias, rejeitando-se medidas disruptivas.
No parecer enviado, salientam-se ainda as posições da Ordem sobre a temática do arrendamento coercivo, do arrendamento e política fiscal e ainda sobre o papel das cooperativas.
Face às propostas e medidas apresentadas no pacote “Mais Habitação”, a OA conclui, através de uma análise sólida e fundamentada, que “apenas mudar a lei é a medida que, sendo fácil, menos resultados oferece” e reitera a sua disponibilidade para trabalhar colaborativamente com o Governo na procura das melhores soluções.
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