
Urbanistas, arquitetos, engenheiros: simplificação nos licenciamentos é excessiva – Agentes do setor alertam para riscos da proposta do Governo que visa a reforma e simplificação dos licenciamentos no âmbito do urbanismo e ordenamento do território.
Simplificação sim, mas com conta, peso e medida. E esse não é o caso de várias das novas regras previstas na proposta do Governo que pretende simplificar os licenciamentos na área do urbanismo e ordenamento do território – um alerta que une engenheiros, arquitetos e urbanistas. Todos já tomaram posição sobre o diploma do Executivo e, embora os pareceres sejam autónomos, as conclusões vão num mesmo sentido: há medidas positivas, mas a simplificação prevista tem aspetos excessivos, que contendem com as necessárias garantias de segurança, sejam elas jurídicas, ou mesmo a segurança de pessoas e bens.
A última pronúncia é subscrita pela associação AdUrbem (Associação para o Desenvolvimento do Direito do Urbanismo e da Construção) e pelo Presidente da Associação Portuguesa de Urbanistas, José António Lameiras, e aponta sobretudo ao anunciado regime de deferimento tácito para as licenças de construção, qualificado como “um claro retrocesso”. Uma solução que “prioriza a celeridade em detrimento da segurança”, dado que este deferimento pode vir mais tarde a revelar-se inválido e “ser anulado ou declarado nulo”, sublinham os urbanistas, sustentando que “dados os valores envolvidos nas regras de ordenamento do território e urbanismo” deve “existir uma ponderação e uma decisão expressa da Administração que pondere os interesses em presença”.
A proposta do Governo – um pedido de autorização legislativa à Assembleia da República, já aprovado na generalidade, com os votos da bancada do PS – prevê um regime de deferimento tácito para as licenças de construção, o que significa que, quando as entidades públicas não tomarem as decisões nos prazos estipulados, o “particular poderá realizar o projeto pretendido”. Em paralelo, os prazos de tramitação dos processos são substancialmente reduzidos. E assim sendo, sublinha o parecer, a “probabilidade de deferimentos tácitos aumenta substancialmente”.
Outra das medidas enunciadas passa pela eliminação do alvará de licença de construção, o que também merece muitas reservas aos urbanistas. “Propõe-se, nesta iniciativa legislativa, que as licenças deixem de ser tituladas por alvará, sem que se perceba a razão de ser desta solução, já que nunca tivemos conhecimento de que fosse a emissão do alvará que atrasa os procedimentos urbanísticos”, refere o documento, sublinhando que, a manter-se esta opção, é “essencial que o pagamento das taxas e demais encargos (cedências, compensações, cauções) sejam sempre condição de eficácia em todas as situações” – ou seja, que nada possa avançar sem a certificação de que todas estas obrigações estão cumpridas.
A eliminação do alvará é também visada pela Ordem dos Arquitetos, no contributo enviado aos deputados: “A eliminação do alvará de construção, sem que se preveja qualquer outro procedimento que o possa substituir de forma a garantir que existem seguros de responsabilidade civil das entidades executantes e que os agentes envolvidos têm as qualificações necessárias parece-nos totalmente desaconselhável.”
Com o novo quadro legal proposto pelo Governo, um Simplex para o urbanismo,várias obras atualmente sujeitas a licenciamento passam a ficar isentas deste passo legal, bastando uma comunicação prévia para que possam avançar. A medida não agradou aos autarcas, que veem no novo quadro legal uma limitação à capacidade de as autarquias intervirem no urbanismo das cidades, e também levanta reservas aos arquitetos. Para a Ordem esta simplificação justifica-se em algumas situações – quando o promotor é de natureza pública, quando se trate de intervenções que não promovam qualquer alteração à cércea, ou quando sejam obras determinadas coercivamente, entre outras. Mas, para os arquitetos, a amplitude da isenção de licenciamento é excessiva. “Quanto às demais operações urbanísticas que se pretende isentar de qualquer licença, ou comunicação prévia, podem e devem manter-se no regime atual”, sublinha o parecer, apontando também como “desaconselhável o suprimento do parecer quer quanto a alterações no interior quer quanto à instalação de reclamos publicitários, sinalética, toldos, esplanadas e mobiliário urbano, tendo em conta o impacto visual que têm no património cultural”.
Também os engenheiros têm críticas a apontar ao novo quadro regulatório. Afirmando-se “surpreendida” com a proposta do Executivo de isentar de projeto elétrico todas as instalações até à potência de 41,4KVA (atualmente essa isenção só é válida para potências inferiores a 10,35 KVA) a Ordem dos Engenheiros diz que esta medida (que abrangerá cerca de “80% das instalações elétricas de baixa tensão”) constitui “um claro retrocesso na segurança de pessoas e bens, contribuindo para a anarquia na execução destas instalações especiais, cada vez mais importantes, nomeadamente na tão falada eficiência e transição energética”. Não são os únicos a dizê-lo. Também para a Ordem dos Engenheiros Técnicos, a nova opção prevista na lei seria um “grave retrocesso que colocaria em causa a segurança das pessoas e bens” e aumentaria “de forma drástica o risco de incêndios e explosões”.
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