Casa Cruz de Pedra

Casa Cruz de Pedra

– Este edifício insere-se numa zona especial de protecção, no limite do centro da cidade de Guimarães, classificada desde 2001 como Património da Humanidade pela Unesco. Zona outrora periférica ao centro da cidade, com as suas zonas de cultivo e as pequenas quintas, como é o caso desta casa e do lote onde se insere. Desta quinta fragmentada restam, hoje, dois lotes, um maior só com terreno, e outro menor onde se insere a casa da quinta e um logradouro. Juntos configuram um loteamento urbano licenciado na década de 80.

Trata-se de uma habitação unifamiliar dos anos 30 do séc.XX, com paredes em alvenaria de pedra à vista, estruturas de piso e cobertura em madeira, gradeamentos de ferro e caixilharias de madeira figuradas com motivos orgânicos inspirados na “terra” e no “mar” e, simultaneamente, com alguma influência de Arte Nova. Se por um lado, o edifício segue as regras” e “traços” da arquitectura vernacular portuguesa e, por isso, modesta no uso de materiais e recursos, por outro já evidencia os desejos polidos do proprietário com hábitos urbanos, e melhores recursos financeiros. Com as características de uma “casa de lavoura com escada integrada”, marcando o acesso principal à casa, disposta no sentido paralelo ao declive do terreno e acomodada na zona mais baixa do mesmo e,  por consequinte, mais próxima da rua de acesso, a casa segue uma linha Sudoeste/Nordeste com uma planta rectangular alongada. O espaço destinado à habitação estende-se por um só piso, com o piso do rés-do-chão destinado às “lojas” onde se instalavam o “lagar”, a “Tulha” e as “cortes dos animais”.

Esta implantação no terreno permitiu o acesso à habitação a meio-piso, deixando o piso térreo semi-enterrado a Sul. Mais uma vez, a configuração do terreno permitiu a implantação ideal pela experiência dos “mestres pedreiros”. Por outro lado, as influências externas e a proximidade à urbanidade da cidade originou a introdução de elementos mais “ricos” em desenho e detalhe, tanto nas caixilharias exteriores de madeira, como nos gradeamentos, na introdução da cornija em pedra e na ordenação marcadamente ortogonal dos vãos agora também maiores em dimensão.Neste sentido, a configuração actual da casa é o resultado de uma serie de intervenções não qualificadas de expansão e renovação tanto ao nível do piso da habitação como no piso térreo, onde durante anos funcionou uma industria de panificação. Essencialmente, o edifício foi alvo de uma intervenção nos anos 80 que destruiu por completo o seu interior e ampliou a construção original no lado Este, descaracterizando-a profundamente. A isto se junta um prolongado abandono nos últimos anos, o que originou a ocupação indevida e respectiva destruição.

A intervenção propõe a demolição de tudo o que é supérfluo mantendo-se apenas a construção original e a reabilitação do que restou e a caracteriza: paredes da fachada em alvenaria de granito, caixilharias de madeira idênticas ao desenho original, recuperando alguns elementos que a compõe, reparação e conservação das portadas em madeira existentes, reparação dos gradeamentos existentes, reabilitação da estrutura de madeira existente na cobertura, para apoio da nova cobertura em telha cerâmica na cor natural, tipo Marselha, e beirais em telha Canudo. Propõe também a aceitação da história do próprio edifício, mantendo as lajes de piso aligeiradas, introduzidas por altura da drástica intervenção. Apenas a fachada Este, ganha uma nova imagem, contemporânea, com um envasamento todo envidraçado rematado na parte superior por uma parede “cega”, revestida a azulejo e cobertura plana, ajardinada. Esta fachada resulta da demolição de todo o interior da ampliação dos anos 80, originando um pátio exterior à semelhança dos “pátios” ou “eidos” típicos da arquitectura vernacular, como uma sala ao ar livre, onde se tem acesso a tudo e para onde vão dar todos os acessos.

Se o pressuposto da intervenção começou por ser a reabilitação de tudo o que inicialmente caracterizava o edifício, negando o “pastische”, o “fachadismo”, mas recorrendo à reparação, manutenção e conservação dos materiais e estruturas originais aliadas às técnicas tradicionais de construção, rapidamente a esse pressuposto se juntou o da sustentabilidade. Na utilização de materiais, técnicas, recursos e saberes locais, (tintas óleo e pigmentos naturais, rebocos de cal, isolamentos em cortiça, etc., etc.), no uso de matérias primas nacionais como a madeira de Pinho, o azulejo ou os mármores nacionais, no uso de equipamentos eficientes de aquecimento e arrefecimento com recurso a energias limpas como a eletricidade, e no uso de sistemas passivos de aquecimento e arrefecimento. Também e aproveitando a sabedoria das técnicas tradicionais aliadas à construção, introduziu-se uma varanda fechada na entrada da casa que serve como regulador de temperatura, permitindo, por exemplo a entrada de ar frio de noite, para refrescar a casa de dia nas alturas de mais calor. Nunca, a “revolução da sustentabilidade” , fez tanto sentido, na construção e não só, através do aumento da eficiência dos edifícios levando à diminuição do consumo de energia e baixando os níveis de CO2, de modo a que o ser humano ao satisfazer as suas necessidades não comprometa a satisfação das necessidades das gerações futuras.

Como uma árvore, este edifício tem as suas raízes, dá sombra e protecção àqueles que a ele se acolhem, tem os seus momentos de beleza e, assim como nasceu, um dia morrerá depois de viver a sua vida. Não se trata, em verdade, de uma intocável e eterna virgem, mas de uma pequena e simples obra feita por homens para homens”. In Fernando Távora, arq., 1963

 

 

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FICHA TÉCNICA

Projecto
Casa Cruz de Pedra

Localização
Rua da Liberdade, Creixomil, Guimarães, Portugal

Arquitectura
Cá-colectivo de arquitectura

Arquitecto responsável
Sara Mota Gonçalves

Engenharia
Lurdes Rodrigues, José Sampaio

Fotografia
João Morgado

Àrea de construção
198 m2

Ano de construção
2020

 

FOTOGRAFADO POR
Galeria
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