GALILEU
A vida coletiva permeia cada vez mais o dia-a-dia de todos. A redução de pontos de encontro nas cidades e a falta de espaço exterior das casas, torna cada vez mais importante que o novo edificado se posicione entre o construído e o natural. Assim surge o galileu, que constrói o natural e decompõe o edificado.
ALMADA
Situada na margem sul do Rio Tejo, Almada é uma cidade com uma posição geográfica privilegiada, tendo em conta a relação que estabelece com o território e com os recursos hídricos circundantes. Limitada por rio e mar, funciona como área de charneira entre o rio Tejo/foz (a norte) e o oceano Atlântico (a oeste). A morfologia acidentada eleva a própria cidade a um extenso miradouro sobre a cidade de Lisboa. Entre os anos 40 e 70, associado às indústrias naval, de tecelagem ou moagem, há um aumento da população e um grande fluxo migratório devido à procura de melhores condições de emprego e habitação, tendo-se tornado um dos concelhos mais populosos de Portugal, com cerca de 118 mil habitantes. A proximidade com a cidade de Lisboa e a construção da ponte sobre o Tejo em 1966- que facilitou a mobilidade entre margens- constituiu outro fator relevante para o crescimento de Almada enquanto ‘cidade dormitório’ que oferece outras condições de vida que competem com a capital. Atualmente, no âmbito da habitação, o município de Almada apresenta um leque de estratégias que visam potenciar a reabilitação das habitações municipais, a oferta de habitação de arrendamento acessível e outras medidas urbanísticas de sustentabilidade no acesso à habitação.
CONTEXTO
A área de intervenção localiza-se na Quinta do Facho, no Monte da Caparica, inserida num lote com uma envolvente espectante. A área envolvente possui um carácter diverso e pluriforme sendo composta por volumes edificados tanto esguios e compridos, que se desenvolvem ao longo dos arruamentos viários, como de corpos pontuais e discretos. O lote está enquadrado urbanamente numa das vias de ligação principais desta área de Almada, a Avenida Timor Lorosae, estando esta infraestruturada por uma rede de transportes públicos qualificada, nomeadamente uma linha de metropolitano que conecta, assim, o terreno a intervir numa posição vantajosa relativamente à mobilidade urbana. Para além destas valências, o lote tem na sua proximidade uma oferta variada de serviços, espaços de ensino e complexos desportivos. Na morfologia urbana de Almada é evidente que o crescimento nas periferias está diretamente relacionado com a migração da população e a consequente construção de conjuntos habitacionais e comerciais. Com o objetivo de atenuar/diluir a discrepância entre as periferias e o centro da cidade, a proposta deverá assegurar a criação de programas e espaços alternativos que englobem as comunidades locais, sem as segregar entre si. O programa de arrendamento acessível permite o apoio aos grupos sociais de baixo rendimento, melhorando os padrões de habitação da cidade. Assim, o redesenho solicitado a propósito deste concurso não se deve reduzir apenas a acrescentar um volume construído na área destinada, mas sim, contribuir enquanto gesto que contaminará todo o contexto, quem o ocupa no presente e que o integrará no futuro.
(PRES)SUPOSTO E (PRE)CONCEITO
Galileu questionou-se: e se não for essa a verdade absoluta? O indivíduo quando exposto a uma situação age, usualmente, de forma involutária, procurando as respostas mais imediatas, servindo-se dos conhecimentos adquiridos que advém da formatação à qual foi exposto. O exercício realizado no desenvolvimento do presente concurso de ideias foi precisamente o ato de tomada de consciência de que precisamos de refletir sobre os pressupostos aos quais estamos, todos, expostos. Assim, da reflexão sobre o lote verde e alongado sito no Monte da Caparica surgiram várias dúvidas, diversas hipóteses e apenas uma solução. A presente proposta apresentada – Galileu – resulta da procura da melhor apropriação do terreno a intervir visando os objetivos que demonstraram ser os mais relevantes para o contexto, nomeadamente, a criação de espaço público de qualidade para a comunidade envolvente, a optimização do espaço habitado (interior e exterior) e a integração de soluções sustentáveis. A idealização da implantação de duas torres não é, portanto, arbitrária, é, sim, justificada por princípios arquitetónicos que visam atingir objetivos concretos e ambiciosos baseando-se numa estrutura mensurável qualitativa e quantitativa. Matematizar a arquitetura não é descurar a sua essência, é sim escalar as suas possibilidades.
ÁGORA AGORA
Desenhar o espaço público antes do espaço privado revelou ser um dos maiores desígnios da proposta. O quarteirão, inicialmente fechado sobre si mesmo, manifestava um interior de quarteirão desqualificado que se resumia a ser traseira, não promovendo o acontecimento. O gesto formal de rasgar e abrir o quarteirão foi motivado pela vontade de conectar este espaço intersticial descurado com a rua e fomentando diversas conexões espaciais e visuais com os restantes limites do contexto urbano envolvente. O potencial da existente manta verdejante levou à descoberta heurística de que seria necessário soltar o plano horizontal e fazer crescer o volume verticalmente. Galileu compõe-se, assim, pela formalização de dois volumes verticais, aos quais podemos denominar de pivots, que sevrem de rótula entre os espaços exteriores criados e do espaço interior edificado. A proposta do espaço público é despretensiosa e sensível ao terreno existente. A topografia permanece, assim, praticamente intocável e virgem. Apenas algumas plataformas são criadas para permitir o acesso ao edificado e para promover o ponto de encontro da vizinhança. A pretensão é criar uma espaço de lazer, de permanência e de usufruto coletivo para as famílias que integrarão a comunidade deste contexto habitacional, mas também potenciar novas conexões com os bairros adjacentes. Um espaço para todos, livre, amplo e permeável.
RACIONALISMO ESPACIAL
A racionalidade formal da proposta concretiza um dos objetivos principais fomentados: a otimização do espaço. Da geometria basilar do quadrado advém uma métrica ortogonal reticular que pretende, mais do que limitar, regrar a concepção espacial. O domínio da unidade pretende, assim, quantificar as dimensões, a área e a forma dos espaços. Medição resulta em otimização. O núcleo central geometricamente quadrangular acentua este momento como o ”pilar” estrutural da proposta. Aqui se concentram os acessos verticais, criando-se uma composição de três elementos regulares – duas caixas de elevadores e uma escada encerrada – que tanto se tentam descolar como tencionam abraçar a regularidade formal da planta. Em torno deste centro, desenha-se uma cinta com dupla função. Por um lado, tem uma função mais prática e eficaz, concentrando as necessidades infraestruturais do edifício. Por outro, resulta no filtro que dilui o limite público-privado, porporcionando mais privacidade às habitações. Adjacente a este ”anel” expandem-se os espaços de permanência, convívio e recolhimento das habitações. Para além da identidade concêntrica da planta proposta, esta releva, igualmente, a linguagem formal de uma cruz. Esta configuração resulta do desenho mais benéfico dos espaços interiores, nomeadamente da colocação dos espaços sociais das tipologias nos vértices do quadrado. A localização das áreas de convívio favorece o espaço interior e exterior, permitindo uma maior ensolação, maior transversalidade espacial, vistas mais desafogas e diversas e, ainda, potencia a ventilação cruzada dos apartamentos.
CO-CRIAR | CO-RESPONSABILIZAR UMA FACHADA
Onde existe sentido de identidade, existe comunidade. É sobre essa premissa que assenta a concepção da fachada proposta: um plano vertical composto por elementos que pontuam irregularmente o volume edificado. Aqui não se previligia a regra, enfatiza-se sim a diversidade e pluralidade do modo de apropriação dos mecanismos oferecidos. Um jardim participativo do condomínio no qual não há porta-voz nem protagonista, mas onde existe sim a oportunidade de cada morador sentir que é parte do uno. O reflexo da expressão e ocupação individual e pessoal das partes fazem do todo um pano inconstante, mutante e dinâmico. Cada habitante tem a liberdade de manipular o seu pequeno jardim. Os negativos de distintos tamanhos embebidos na viga invertida albergam os vasos de terracota de diversas escalas. A manutenção da população vegetal da fachada proposta fica, assim, a cargo da comunidade habitante das torres. O conceito verde criado para o Galileu reforça, igualmente, a consciencialização ambiental da proposta, revelando a sensibilidade das opções projetuais concebidas para o espaço habitado.
PROJETO DE ARQUITETURA PAISAGISTA
A proposta para os espaços exteriores desenvolveu- se tendo como conceito geral a sustentabilidade da proposta dos diversos pontos de vista: social, ambiental e económica. Assim, aposta-se na criação de espaços ambientalmente qualificados, que respondam positivamente e ativamente às necessidades sociais. Do ponto de vista ambiental a proposta desenvolve-se como uma estratégia de amenização climática, com princípios ecológicos e ambientais, onde se promovem nos espaços verdes vários serviços ecossistemáticos, através de soluções de base natural. A floresta urbana, importante para mitigar a “ilha de calor”, reter carbono e minorar os efeitos das partículas de poluição na saúde humana, consiste numa orla de enquadramento multiestrato, com espécies autóctones / adaptadas, plantadas em grande densidade. Os prados floridos promovem a biodiversidade, com menos consumos de água. No edifício aposta-se em coberturas e fachadas verdes, potenciando-se a presença da vegetação na proximidade das pessoas, influenciando o seu habitar. Em suma propõe-se a conectividade entre espaços verdes, promovendo-se corredores ecológicos com a envolvente urbana. Ao nível da drenagem, o projeto adota soluções enquadradas em sistemas urbanos de drenagem sustentável, incluindo soluções como faixas drenantes, biovaletas, e uma bacia de retenção. Do ponto de vista social os espaços verdes são essenciais para a promoção de uma cultura de partilha, de encontro e vivência social, além de que podem ser promotores de bem-estar físico e psíquico dos seus utilizadores. A proposta aposta na circulação sobretudo pedonal, promovendo-se várias pracetas de encontro e estadia, ao nível do rés-do- chão dos edifícios, que vão potenciar o encontro entre vizinhos, permitir que as crianças passeiem de bicicleta, ou os jovens socializem de forma activa / passiva. Apontam-se vários programas, desde os desportivos ao de recreio infantil para potenciar o uso dos espaços exteriores. As circulações pedonais entre as cotas altas e as zonas mais baixas, são asseguradas por escadas.
PROJECTIO DE ESPECIALIDADES
Com a entrada em vigor do REH (Regulamento de Desempenho Energético dos Edifícios de Habitação, DL 101-D/2020, de 7 de Dezembro) e com o arranque do funcionamento do SCE (Sistema Nacional de Certificação Energética e de Qualidade do Ar Interior nos Edifícios, DL 78/2006), pretende-se impor regras de eficiência aos sistemas de climatização que permitam melhorar o seu desempenho energético efectivo e garantir os meios para a manutenção de uma boa qualidade do ar interior, quer a nível do projecto, quer a nível da sua instalação, quer durante o seu funcionamento, através de uma manutenção adequada. O projecto de AVAC proposto procura favorecer sistemas centralizados como forma de tirar partido de economias de escala, e soluções energeticamente mais eficientes, incluindo as que recorram a sistemas baseados em energias renováveis, sempre que economicamente viável. O edifício será certificado pelo Sistema Nacional de Certificação Energética e de Qualidade do Ar Interior nos Edifícios (SCE), pretendendo-se obter uma classificação energética, de boa qualidade, pelo que serão ser efectuados todos os esforços no sentido de optimizar o funcionamento dos sistemas e minimizar quaisquer perdas de energia, quer ao nível do projecto quer através da execução cuidada da instalação e na montagem dos seus equipamentos.
SOLUÇÕES BIO-CLIMÁTICAS ADOPTADAS
A inércia térmica – Os edifícios em questão são caracterizados por uma inércia térmica pesada. A atenuação dos ganhos de calor depende da massa térmica do edifício, ou seja, da capacidade que um edifício tem, na sua envolvente, de armazenar energia térmica, “calor” o que dá origem a uma diminuição dos valores de pico das cargas de arrefecimento e um desfasamento entre as temperaturas exteriores e interiores. Um edifício com uma inércia térmica forte permite que na estação Verão os picos de calor, provenientes da envolvente exterior, possam ser desfasados dos picos de ocupação do edifício, ficando estes retidos na própria envolvente e sendo apenas libertados para o interior do edifício no final do dia. Deste modo uma inércia térmica elevada, conjugada com uma ventilação natural nocturna, permite remover toda a carga existente no edifício durante a noite. A circulação de ar contribui para a diminuição da temperatura interior e ainda para a remoção do calor sensível armazenado na massa térmica. As aberturas deverão ser colocadas no quadrante sul e em locais opostos de forma a permitir a ventilação transversal de forma a conciliar as estratégias de aquecimento e de arrefecimento. Este tipo de solução permite uma elevada redução dos consumos de energia para arrefecimento, uma vez que, impede que grande parte dos ganhos solares possam resultar no imediato num aumento da temperatura dos espaços interiores, reduzindo deste modo os consumos de climatização.
PROTECÇÕES SOLARES/ VÃOS ENVIDRAÇADOS
O edifício proposto será igualmente dotado de um sistema de protecções solares exteriores, nos vãos envidraçados, com a uma tela de sombreamento exterior, de modo a reduzir a radiação directa para o interior do edifício, evitando deste modo um excessivo aumento de energia para arrefecimento. A conjugação dos vãos envidraçados com protecções solares exteriores permite ainda assim uma boa iluminação natural dos espaços interiores, reduzindo drasticamente os consumos de electricidade com a iluminação, e por outro lado evita ganhos solares e internos desnecessários na estação de arrefecimento. Os vãos envidraçados estrategicamente localizados permitem na estação de aquecimento uma boa captação dos ganhos solares, resultando deste modo num aquecimento passivo do edifício bastante interessante.
ENERGIAS RENOVÁVEIS
Para o aquecimento das águas quentes sanitárias, serão previstos painéis solares térmicos associados a bombas de calor do tipo monobloco. Será instalado um sistemas deste tipo por fracção autónoma. Em complemento ao sistema de energias renováveis será também proposta a instalação de painéis solares fotovoltaicos, para produção de energia eléctrica para melhoria da classificação energética e redução de consumos eléctricos.
https://www.ohland.pt/
https://www.adfconsultores.com/pt/
https://www.luceatelier.com/
Projeto
GALILEU (PLOT B)
Localização
Almada, Portugal
Cliente
Câmara Municipal de Almada
Arquitetura
Paisagismo
Engenharia
Adão da Fonseca – Engenheiros Consultores 🔗
3D Images (exterior)
Área
Variável
Tipo
Concurso de concepção
Programa
Habitação
Assessoria Técnica
Ordem dos Arquitetos (SRLVT)
Ano
2022