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Artigo de opinião de Gonçalo Byrne – A urgência de investir em qualidade
A nova proposta de alteração ao Código dos Contratos Públicos pretende tornar regra um regime excecional de encomenda. É importante desburocratizar e acelerar, mas é fundamental fomentar o debate sobre um diploma tão transversal às políticas públicas.
Já em 2020, a tentativa de banalização da conceção-construção colheu amplas críticas no sector da construção. Agora, novamente sob o pretexto de eliminar dispêndios de tempo desnecessários, propõe-se colocar a responsabilidade do projeto sob alçada da mesma entidade que procede à sua execução, anulando o escrutínio entre quem projeta e quem constrói. Isto para toda e qualquer obra, com o Estado a apresentar pouco mais que os objetivos e características gerais e, eventualmente, indicações sobre prazos de execução.
Compreendemos a urgência das reformas estruturais que o país precisa e os prazos exigentes do PRR, mas entendemos que desburocratização e flexibilização não podem justificar preterir os mecanismos concorrenciais que melhor protegem o interesse público pela qualidade da nossa paisagem, património e arquitetura.
Considerar que o mercado está em melhor posição de elaborar um projeto e construí-lo, substituindo-se ao papel do encomendador público de seleção do melhor projeto e da melhor proposta de empreitada, significa a total demissão do exercício de políticas públicas pelo Estado. Delegar a responsabilidade na defesa dos direitos constitucionais ao ambiente e à qualidade de vida, à habitação e ao urbanismo, numa construtora, é delegar numa única entidade, que tem por legítimo objetivo o lucro, a responsabilidade de gestão do dinheiro e interesse públicos.
A solução apresentada é fortemente limitadora do acesso à encomenda de projeto, feita assim por via do empreiteiro, e, uma vez mais, propõe-se ignorar o fator qualidade na escolha das propostas que melhor sirvam os interesses públicos. O critério proposto será meramente economicista, mas, no longo prazo, vai relevar-se o mais oneroso e prejudicial do interesse do cidadão. Não se vislumbra um benefício efetivo para a generalidade da economia e das entidades e trabalhadores do sector da construção, mas apenas para poucos dos seus atores.
O projeto é um serviço à comunidade e um investimento elementar de boa aplicação do dinheiro público. Visa antecipar problemas e reunir consensos. Insistimos na defesa da solução que separa projeto e construção. Reconhecemos as vantagens de processos colaborativos entre projetistas e empreiteiros na construção de uma obra pública de qualidade, mas esse caminho não pode abrir mão dos mecanismos de transparência e concorrência fundamentais para o bom funcionamento do mercado, do processo construtivo e do interesse dos cidadãos, que todos devemos defender.
A Política Nacional de Arquitetura e Paisagem reconhece, desde 2015, o seu impacto na qualidade de vida das populações e a responsabilidade do Estado. É urgente inverter o cenário de desvalorização e de desinvestimento na qualidade e inovação, procurando um desenvolvimento económico sustentável e a resiliência dos nossos territórios.
Gonçalo Byrne – Presidente da Ordem dos Arquitectos
Artigo publicado no © Expresso – 26/08/2022