Afinal, que jardim será o do Martim Moniz? E quando o veremos finalmente?

Categorias: Território

Quase dois anos desde o início do processo de participação pública, este mês tomam-se decisões em relação ao programa base e ao concurso internacional do jardim do Martim Moniz.

Só que, quase dois anos desde o início desse processo, a transformação do Martim Moniz continua parada, e as últimas atualizações neste saga lançaram a discórdia entre as forças políticas: afinal, como lançar o concurso internacional de conceção e execução de requalificação da praça?

A polémica surgiu quando em julho passado a vereadora do urbanismo Joana Almeida apresentou em reunião de Câmara a proposta de se lançar o concurso internacional de conceção para ateliers de arquitetura, para que depois um júri selecionasse um projeto.

Porém, nessa mesma reunião, o Livre apresentou uma proposta alternativa: em vez de se selecionar um projeto, selecionar-se-iam cinco para serem discutidos publicamente.

Na altura, a proposta levantou problemas jurídicos, o que adiou a submissão a voto. “Em termos de regras de contratação pública seria um processo mais complicado”, admite Paulo Muacho, coordenador da equipa do Livre na CML. “Mas mesmo assim achamos que seria desejável. Não queremos que, apesar de já estar definido que haverá um jardim, o resultado final não agrade à população geral”.

Mas a verdade é que, para alguns, nenhuma das propostas responde àquela que sempre foi a premissa deste projeto: a da participação da população.

Foi exatamente isso que sentiu o movimento Um Jardim no Martim Moniz, que soube destas atualizações pelos meios de comunicação e que por isso convocou uma reunião com a vereadora do urbanismo. “Sendo este o movimento que despoletou todo o processo, achamos que devíamos ter sido envolvidos antes”, diz Susana Simplício, representante do movimento.

À Mensagem, a Câmara afirmou ter estado a trabalhar nos últimos meses em conjunto com a oposição para “realizar pequenos ajustes à proposta inicialmente apresentada”.

Este trabalho resultou numa proposta revista que, este mês, será discutida em reunião. E a CML garante que os pressupostos se mantêm inalterados: requalificar a praça “tendo em conta os contributos da discussão pública realizada anteriormente, com um concurso público internacional para apresentação de projetos”.

Que jardim para o Martim Moniz?

É consensual que se quer um jardim no Martim Moniz. Mas não são consensuais os moldes segundo os quais será criado. Afinal, que jardim é este que aqui vai surgir? “É uma grande incógnita”, diz a vereadora do PCP, Ana Jara, partido que organizou um debate em pleno Martim Moniz.

O processo participativo desdobrou-se em duas fases: uma primeira, que consistiu na resposta a um inquérito, e uma segunda, em que se convidaram especialistas e interessados a apresentar hipóteses para a concretização do jardim. Mas, para o PCP, os resultados desta segunda fase (que não tiveram tanta adesão quanto a primeira) não chegaram a ser discutidos.

Destas duas fases, resultou um documento que foi tornado público e que, para Susana Simplício do Um Jardim no Martim Moniz, levanta várias questões: “Haverá árvores no jardim? Que espécies serão ali plantadas? Qual a integração dos espaços envolventes? Quais os equipamentos que ali serão construídos?”.

E resultou ainda aquele que é o programa-base, que não é público, e que será submetido a aprovação em reunião de Câmara.

Para Ana Jara, este programa “surge desfasado daquela realidade social”. “Aquela realidade social” é a realidade multicultural do Martim Moniz, claro, a praça que é palco de vivências do mundo, com comunidades de diferentes culturas que ali se reúnem. A título de exemplo, a vereadora refere-se às lojas da comunidade chinesa, do Bangladesh, da Índia e de Goa que existem no metro, e que não são retratadas neste programa.

Para o PCP, a proposta do Livre não é capaz de colmatar esta falta de participação das comunidades, que tem de continuar. E é por isso que o partido propõe a criação de um gabinete técnico local no Martim Moniz, que trabalhe com a comunidade soluções para este jardim. “Queremos que as pessoas possam manifestar-se, não queremos estar à espera que venha uma grande proposta”, explica Ana Jara.

O medo que deste concurso internacional resulte um projeto que se afaste da realidade do Martim Moniz é também partilhado por Paula Marques, vereadora independente, pois seriam arquitetos estrangeiros a decidir o futuro da praça. “Não se pode aterrar no Martim Moniz vindo de fora sem cheirar o Martim Moniz, sem saborear o Martim Moniz”.

A vereadora defende que a praça terá de ser pensada por toda a comunidade que lá habita, contando com o envolvimento das associações. “A transformação tem de refletir a mobilização das pessoas que houve anteriormente”, acrescenta ainda.

Para isso, as pessoas que ali passam o tempo têm de ser ouvidas, claro, e há que respeitar aquelas que são as suas atividades diárias, e a História do lugar. É algo que é tido em conta pelo Livre. “É importante que essas práticas, como o críquete, sejam mantidas e que se envolva a população imigrante na definição do espaço”, reforça Paulo Muacho.

E a ZER? E a Almirante Reis?

Mas há outras questões que entram nesta equação. É que este não pode ser só “um jardim visualmente verde”, explica Ana Jara. “Tem de ser um espaço ecologicamente saudável”. Uma questão que tem sido amplamente discutida é precisamente a inclusão do Martim Moniz na Zona de Emissões reduzidas (ZER), que até agora tem vindo a ser adiada. “Vamos pressionar nesse sentido”, diz Paulo Muacho, do Livre.

Esta é também a posição do Bloco de Esquerda. “Surpreendeu-nos que a ZER tenha ficado na gaveta”, explica fonte do gabinete da vereadora Beatriz Gomes Dias. “Sem ZER, tudo o que ali for feito sairá prejudicado”.

Mas não é só a ZER que é importante. É que, quando o Martim Moniz volta a debate, a Almirante Reis vem atrelada – mas a requalificação destes dois espaços são processos separados. “Como é que dois lugares da cidade fisicamente interligados, que estão a ser debatidos ao mesmo tempo, não são discutidos em paralelo?”, denuncia Ana Jara.

Esta posição de incredulidade é também adotada pelo BE. “O processo de requalificação do Martim Moniz não pode estar desligado da Almirante Reis. Este é um eixo que deve ser visto com ligação ao rio”.

Para o partido, avaliar estes dois eixos separadamente é um erro quando se pensa quer nos pedestres, quer nos ciclistas. “Ao chegar ao Martim Moniz, chega-se a território agreste, com ruas difíceis, turistas, poucos transportes públicos”. O mesmo diz o Livre: “É essencial pensar numa lógica macro, numa cidade dos 15 minutos de que Moedas falava muito e que agora já não ouvimos falar tanto”.

Ou seja, para o Martim Moniz e Almirante Reis funcionarem como espaços vivos da cidade, é preciso que sejam pensados em conjunto. “O tema da Almirante Reis só se resolve nas equações ambientais e de acessibilidade urbanística quando a transformamos num objeto maior, não é desligada dos outros lugares”, diz Ana Jara.

Com o mês de novembro dedicado a rever o futuro destes dois eixos da cidade, resta perguntar: que jardim será este que vai nascer no Martim Moniz, e quando é que verá a luz do dia?

*7.11.2022 11h57acrescentada informação relativa ao movimento Um Jardim no Martim Moniz

*9.11.2022 11h32 acrescentadas declarações do movimento Um Jardim no Martim Moniz

Artigo publicado no site A Mensagem por Ana da Cunha

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