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Mudança na maneira de olhar – Os países onde os jovens adquirem a sua independência mais cedo adotaram, há décadas, abordagens, políticas e instrumentos de resposta à falta de ‘habitação acessível’.
Os números divulgados pelo Eurostat, a autoridade estatística da União Europeia(UE), voltam a surpreender, ao colocarem Portugal como um dos países da UE em que os jovens saem mais tarde de casa dos pais. A média situa-se agora nos 33,6 anos, representando um aumento de cerca de 30% em relação ao ano passado. A Finlândia, Suécia e Dinamarca, continuam a registar as médias mais baixas.
Esta disparidade reflete as diferenças culturais entre os países e as transformações globais económicas e sociodemográficas resultantes da pandemia e, agora, também, da guerra, que a nível nacional têm maior impacto. Mas há um outro fator crucial nesta equação que não pode ser escamoteado, a carência de habitação a preços acessíveis para os jovens. Os países onde os jovens adquirem a sua independência mais cedo adotaram, há décadas, abordagens, políticas e instrumentos de resposta à falta de ‘habitação acessível’.
Em Portugal, apesar do esforço de melhoria das políticas públicas de habitação, sair de casa dos pais ainda é impossível para muitos jovens. É tempo dos decisores locais aproveitarem os programas públicos para inovar de acordo com as circunstâncias particulares dos seus territórios, como é o desenhado nas Cartas Municipais de Habitação, onde se definem as estratégias locais de habitação para os municípios terem acesso ao 1.º Direito – Programa de Apoio ao Acesso à Habitação, através do financiamento via Plano de Recuperação e Resiliência.
É tempo, também, de discutir o direito de superfície consagrado no Código Civil, tendo em atenção os muitos edifícios devolutos de propriedade municipal. Esta oportunidade pode contribuir para a implementação de modelos alternativos de habitação, onde os próprios jovens têm um papel fundamental em articulação com os governos locais, como têm defendido as arquitetas Sara Brysch e Helena Roseta.
A ‘economia colaborativa’ está a alterar a noção de ‘propriedade’, introduzindo os conceitos de ‘acesso’ e de ‘partilha’, que para Sara Brysch é fundamental para a implementação de modelos de habitação colaborativa levados a cabo por grupos de cidadãos.
O projeto La borda, uma cooperativa de habitação em Barcelona, vencedor do prémio Mies van der Rohe, é um exemplo “transgressor no seu contexto, porque embora a produção habitacional seja dominada por interesses macroeconómicos, neste caso o modelo baseia-se na co-propriedade e na co-gestão de recursos e capacidades partilhadas”.
No mesmo sentido, Helena Roseta, em entrevista ao J-A, questiona “porque é que uma parte dos fogos devolutos pelo Estado e pelos municípios não são colocados em concurso para cooperativas de jovens pegarem nesses fogos, fazerem eles a recuperação à sua maneira, de acordo com os seus próprios interesses?”.
As oportunidades e benefícios gerais que a reativação de edifícios vazios pode proporcionar são apresentados no URBACT 2nd Chance. Destaca-se aqui o papel da auto-organização de grupos de cidadãos interessados no processo de reativação e implementação de novos modelos de vida e de habitação através do desenvolvimento de estratégias integradas.
Em particular grupos e iniciativas locais que têm sido, até agora, subestimados e ignorados, “seguramente haverá jovens arquitetos, engenheiros, economistas, advogados (…) que são capazes de conceber um modelo, não só de recuperação de um devoluto em termos de arquitetura e de qualidade ambiental, mas também em termos de gestão de negócio”.
Ao fim e ao cabo, e parafraseando Helena Roseta, “a luta é mesmo de mudança da maneira de olhar os problemas. E essa é uma luta permanente”.
Artigo publicado no © Jornal Económico . Artigo de Opinião de Alexandra Paio, Docente do ISCTE-IUL