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(Publicado originalmente na Revista Rua 21.)
Há alguns meses atrás esbarrei-me com um interessantíssimo artigo de Jose María Eguileta Franco (director do departamento de arqueologia da cidade de Ourense), debruçando-se sobre aquilo a que os galegos apelidam de “fenómeno do feismo” do ponto de vista da arqueologia.
Conhecemos bem o fenómeno: edificações sobretudo da segunda metade do século XX, construídas de forma arbitrária, inconsequente e de “mau gosto” que, somadas, desqualificam a paisagem onde se integram, quer nas cidades quer no meio rural, onde é mais evidente.
Que o fenómeno existe é uma certeza. No entanto, ficou-me latente a seguinte pergunta: Existe porquê?
É corrente defender que esse caos paisagístico advém de uma construção concebida por gente pouco cultivada e alheia às questões do património, da paisagem e da arquitectura.
O problema é que a paisagem intemporal e harmonizada, de profundas qualidades intrínsecas, enraizada no lugar e que lamentamos ver perdida, foi também ela construída por gente iletrada, nada cultivada nas questões do património, da paisagem ou da arquitectura.
Sendo assim, o que falhou?
O discurso do “bom/mau gosto” é sempre território menos familiar para o arquitecto, que opera com base em respostas racionais a questões concretas, assentes no seu conhecimento do tema: o “gosto”, na sua arbitrariedade, não configura estratégia útil para alcançar as melhores soluções.
Também a arquitectura vernacular não procurava o “bom gosto” mas sim soluções que cumprissem com o máximo de eficácia as suas funções, naquele lugar, recorrendo aos materiais disponíveis, de forma económica e sustentável.
Estas soluções foram testadas pelo tempo e, mesmo que concebidas por gente iletrada, emergem de um rico e profundo conhecimento partilhado e aperfeiçoado por dezenas de gerações de construtores que não tinham outra ambição que não a de fazer a melhor construção possível.
No entanto, a incorporação do imaginário modernista em Portugal levou à rejeição absoluta de tudo o que era vernacular.
A rejeição de todo este saber acumulado ao longo de séculos não trouxe, infelizmente, a sua substituição por conhecimento de outro tipo: a percentagem de construções concebidas nessa altura por arquitectos era negligenciável. Todo esse saber foi substituído pelo “gosto”.
O “gosto” de meados do século XX ditou uma paisagem construída transversalmente pelo mesmo modelo de estruturas ligeiras de betão e paredes de alvenaria simples, com graves problemas técnicos, de salubridade e conforto, e completamente alheias ao lugar, às suas circunstâncias, oportunidades e particularidades.
Durante todo o século XX em Portugal concebeu-se uma arquitectura repetitiva por agentes sem formação em arquitectura: o conhecimento vernacular foi duramente substituído pela ausência de conhecimento.
Os arquitectos têm agora, obra a obra, a obrigação de fazer um melhor trabalho e repor “conhecimento” na paisagem, pelo menos na mesma medida em que os nossos antecessores pré-modernistas o fizeram. É chegado o tempo do conserto.
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