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Ser arquiteto em Portugal | Desafios no exercício da profissão no nosso país – Bruno Martins | Arquiteto
Quando se toma a decisão de ser arquiteto, é em primeiro lugar a paixão que nos orienta. Move-nos o gosto pelo desenho, a recordação pelos primeiros anos de criança, onde a construção é feita de Legos e brinquedos, o desejo de criar, e talvez ainda o de poder viver uma vida que vá para lá da sua própria mortalidade, deixando obra física além da nossa existência.
Mas após a conclusão do longo curso de arquitetura, que em Portugal é de 6 anos, o que o arquiteto se depara é com um inicio de vida bastante complicado, num mercado muito saturado e com pouca encomenda. Seguem-se os estágios, os recibos verdes, os contratos precários, num inicio de caminhada capaz de questionar as mais profundas convicções sobre a assertividade na escolha da profissão, tenha sido essa escolha mais ou menos emocional.
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Quando terminei o meu curso, regressei para a minha terra e voltei para a Madeira. Vim cheio de sonhos e ilusões, próprio de qualquer jovem recém-licenciado. Hoje, divirto-me com a minha própria ingenuidade.
Como eu, nessa altura, muitos jovens arquitetos terminaram agora os seus cursos e depararam-se com um cenário ainda mais difícil. Senão vejamos: Portugal tem hoje mais de 23.000 arquitetos, para uma população de cerca de 10 milhões de habitantes, o que perfaz um rácio de 1 arquiteto para cada 454 pessoas.
Só em Itália encontramos um rácio mais desvantajoso para os arquitetos (1 arquiteto para 414 habitantes), no entanto não é possível comparar o seu vasto património edificado que necessita obrigatoriamente da intervenção do arquiteto, com a nossa realidade. Comparemo-nos então com os Estados Unidos, onde temos 1 arquiteto para cada 1.484 pessoas. Ou ainda a China com 1 arquiteto para cada 40.000 pessoas.
Segundo um estudo encomendado pela Secção Regional Norte da Ordem dos Arquitetos (OA/SRN) à Escola de Gestão e Economia da Universidade do Minho (UM), Portugal é o país da Europa com mais arquitetos per capita. Lamentavelmente, são também dos mais mal pagos, com vencimentos médios a rondar os 1.000 euros brutos por mês.
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Um retrato da profissão que tem de nos fazer refletir. Em Portugal, os arquitetos deparam-se com dificuldades de toda a ordem. A nossa classe média tem dificuldade em investir numa moradia por falta de capacidade económica, e quando o faz, pode ser o mais significativo investimento da sua vida. Caso consiga se financiar, tem ainda de contar com um sistema demasiado burocrático. O melhor mesmo é acertar na escolha do arquiteto, que não poucas vezes desempenha o papel de gestor de projeto, ultrapassando a esfera do projetista e oferecendo a sua experiencia na área, seja na consulta das restantes especialidades, mas também nos aspetos burocráticos junto das entidades municipais e outras entidades externas, na escolha do empreiteiro, e por aí fora.
Ironicamente, e apesar de termos que sair da nossa esfera de projeto e gerir todo o investimento pelo cliente, o arquiteto teve ainda de convencer muita gente da sua própria utilidade. Não é fácil vender algo que não se vê. E muitas vezes o curto orçamento para a moradia, não contempla aquele que porventura pode representar a sua maior fonte de poupança: o arquiteto.
Mas fora do privado, na área publica, a situação não é mais fácil. Senão, atente-se ao que são os concursos públicos na arquitetura, que na maior parte das vezes, não privilegiam as ideias enquanto critério mais decisivo nos critérios de escolha do projeto vencedor. Pelo contrario, costuma ser o preço mais baixo dos honorários, o critério mais relevante.
Devemos nos unir para inverter este ciclo. Não apenas por uma melhor valorização da qualidade dos projetos, não apenas pela justa valorização dos arquitetos, mas sobretudo pelo território, que no nosso país é o principal recurso de uma economia na qual o turismo ocupa um lugar de destaque, sendo esta mais uma forte razão para que os arquitetos se envolvam além das questões da arquitetura e urbanismo, e sejam parte ativa dos centros de decisão, trazendo consigo a sua interdisciplinaridade e visão.
Está em causa o valor das ideias, da visão de cidade, de integração e território. Compreendo que possam ser temas aborrecidos para muitos, mas absolutamente vitais para o desenvolvimento harmonioso das nossas cidades, para a reabilitação do nosso património histórico, e para a manutenção da nossa identidade cultural. E terão de ser os arquitetos a dizer presente no debate destas ideias. E a mudar mentalidades.
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Numa altura em que 3 listas concorreram para a Ordem dos arquitetos, tendo vencido a do Arq. Gonçalo Byrne, julgo que é uma boa altura para se iniciar um novo ciclo.
Colocam-se muitos desafios. Para lá da regulação da profissão, falta ainda fazer entender à sociedade portuguesa a importância da arquitetura e o valor dos arquitetos. Havendo esta perceção, não haveria engenheiros a poder assinar projetos de arquitetura. Mas falta também reconhecer a importância das questões ligadas ao ordenamento do território, do planeamento das cidades e da valorização do nosso património. E para tal, será fundamental ter mais arquitetos em cargos de decisão politica, e devemos nos mobilizar para que tal possa suceder com naturalidade.
Há que dar tempo a quem agora nos representa. Possa o Arq. Gonçalo Byrne mostrar tanta qualidade na gestão da ordem, como é no desenvolvimento dos seus projetos, e estaremos bem representados. Para ele e para a sua equipa, os meus sinceros parabéns pela vitoria nas eleições. As expectativas que depositamos em vós, são grandes. Mas é justo também que, agora que o período eleitoral terminou, nos possamos unir à volta desta nova equipa. Porque todos não seremos demais para garantir mais e melhor encomenda, melhores condições laborais, mas também mais arquitetos em lugares políticos e nos centros de decisão.
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Termino, como comecei, a falar da paixão que me move na arquitetura. Não tenham ilusões, não é fácil ser arquiteto em Portugal. O gosto que tenho pelos projetos suplanta as imensas dificuldades no exercício da nossa profissão. E conforta-me constatar a enorme qualidade que os arquitetos portugueses têm revelado, reconhecida em todo o mundo. Compete-nos agora que essa qualidade se materialize em maior influencia na sociedade, mais reconhecimento do trabalho do arquiteto, e melhores condições de vida para os profissionais.
Artigo de Opinião de Bruno Martins | Arquiteto