
Três décadas depois, como pode a arquitetura ajudar a não repetir as falhas do PER e impulsionar a habitação pública?
No segundo debate a anteceder a exposição Habitar Lisboa, no CCB, a vereadora da habitação, Filipa Roseta, lembrou o “esforço épico” feito em Lisboa no âmbito do PER e Marta Sequeira, curadora da exposição, advertiu para a necessidade de agora se olhar para o modo como a arquitetura pode contribuir para o reforço do parque habitacional público.
“Os jovens não têm noção do que era a cidade nos anos 80.” Foi assim que Filipa Roseta, vereadora da habitação na Câmara Municipal de Lisboa abriu o segundo e último debate em torno do presente e do futuro dos bairros PER.
No mês em que se celebram três décadas desde o arranque do Plano Especial de Realojamento (PER), o debate desta quarta-feira recuperou a efeméride para trazer à discussão as virtudes e os erros do passado, enquadrando-os no momento atual de reforço do parque habitacional público e na necessidade de colocar a arquitetura no centro da discussão sobre a produção de nova habitação e espaço público.
O palco voltou a ser o átrio do Grande Auditório do Centro Cultural de Belém (CCB) e juntou a vereadora da habitação aos arquitetos Nuno Valentim e Paulo Tormenta Pinto, ao investigador Marco Allegra e ao geógrafo Gonçalo Antunes.
No discurso que abriu o debate, a vereadora Filipa Roseta sublinhou aquele que considerou ser o “esforço épico” concretizado na década de 90 no PER e relembrou a produção de milhares de habitações responsável pela retirada de milhares de famílias da indignidade habitacional. Tudo isto, apontou no seu discurso, sem qualquer tipo de financiamento europeu, com o esforço financeiro a caber, em iguais partes, ao Estado e às autarquias participantes no plano – ao contrário do que hoje sucede.
Mas um programa que teve falhas e sobre as quais vale a pena discutir ainda hoje, para definir o futuro.
O PER foi criado em 1993 para dar resposta às necessidades urgentes de realojamento e constitui um dos maiores investimentos públicos no acesso à habitação das últimas décadas em Portugal. Só no município de Lisboa, permitiu o realojamento de todas as famílias residentes em barracas – cerca de 11 mil agregados familiares e mais de 37 mil pessoas.
Três décadas passadas e perante uma nova crise habitacional, há um novo impulso para o reforço do parque habitacional público. Ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), há 2,7 mil milhões de euros para investir em habitação pública e acessível. Para dar resposta às famílias que mais precisam de casa, deverão ser construídos 26 mil fogos habitacionais até 2026. Este número corresponde às famílias identificadas como vivendo em condições consideradas indignas e com necessidades urgentes de realojamento. Para alcançar tal feito, está prevista a disponibilização de 1211 milhões de euros a fundo perdido.
Este novo encontro foi o último a anteceder a abertura da exposição Habitar Lisboa, com curadoria de Marta Sequeira e que poderá ser visitada entre outubro de 2023 e fevereiro de 2024, na Garagem Sul do CCB. A exposição servirá de montra para muitos dos projetos não vencedores dos concursos já lançados no âmbito do investimento do PRR e procurará sublinhar a importância da disciplina da arquitetura, bem como a importância dos dados para a exploração de problemas e oportunidades no setor da habitação em Lisboa. Os dados que integrarão a exposição serão organizados pelo geógrafo João Ferrão e pelo diretor da NOVA IMS, Miguel de Castro Neto.
Olhar para “como se vai construir”
À margem do debate, Marta Sequeira falou à Mensagem e apontou para a necessidade de não olhar apenas para os números associados à concretização de novas habitações, mas também para “como se vai construir”. “Já percebemos que a construção de habitação não se baseia apenas na construção de casas, mas na construção de cidade, de espaço público”, disse, desviando a atenção dos números e metas para a qualidade de vida e para o papel aí desempenhado pela arquitetura.
“Os arquitetos são certamente os profissionais que poderão ajudar verdadeiramente a perceber como é que esta operação poderá ser feita, não oferecendo apenas casas às pessoas, mas pensando na qualidade de vida que essas pessoas vão ter.”
A exposição que coordena propõe-se precisamente a colocar no centro a arquitetura. “A ideia é a de recentrar a discussão sobre habitação na disciplina de arquitetura – perceber como é que a arquitetura pode contribuir.”
Marco Allegra, investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa) com quem também falámos, também mencionou a importância de mais dimensões para além das presentes na mera construção de fogos habitacionais.
“A experiência do PER ensina-nos que é preciso construir habitação, mas é preciso também criar um contexto. Não é só um contexto urbanístico, é também de animação social. Essa foi uma parte muito carente do PER, praticamente não estava na lógica inicial do projeto. Podemos aprender com isso”, disse.
À semelhança daquilo que aconteceu no primeiro debate, voltou a falar-se nas descontinuidades territoriais existentes em alguns bairros PER de Lisboa e na importância de reconhecer e corrigir erros urbanísticos cometidos na implementação do plano dos anos 90.