
A urgência da construção de qualidade. Sobre a 13.a alteração do CCP e o procedimento de conceção-construção – A Ordem dos Arquitectos (OA), através do seu Conselho Diretivo Nacional (CDN), emitiu um parecer (na íntegra, em anexo) relativamente às novas alterações propostas para o Código dos Contratos Públicos, no âmbito da consulta ao Projeto de DL 32/XXIII/2022, que correu até ao passado dia 16 de Agosto.
Consideramos que o Projeto de Decreto-Lei que agora se apresenta vem na senda da inicial Proposta de Lei n.o 41/XIV/1.a (GOV), cuja gravidade sublinhámos em sede de audição da Comissão de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação (CEIOPH), no dia 29 de setembro de 2020.
Como é sabido, essa Proposta de Lei, que pretendia estabelecer como regra um regime que é de exceção, suscitou viva controvérsia, tendo sido criticada por todas as entidades envolvidas no sector da construção, para além do Tribunal de Contas e Inspeção Geral de Finanças, e viria a ser retirada em favor de um texto de substituição, que recuava na alteração proposta ao regime de conceção-construção.
Deste modo, é com redobrada apreensão que encaramos as consequências do diploma que agora se propõe, tendo em conta as suas graves implicações para o território e a paisagem edificada, bem como para o exercício da profissão de arquiteto, estando em causa questões da maior relevância para a salvaguarda da Arquitetura e do interesse público. É proposto um procedimento dito especial face àquilo que é regra, de acesso excecional à modalidade de conceção-construção. Verificamos que, na verdade, não existe exceção, mas antes a possibilidade do encomendador, de forma livre, arbitrária, generalizada e definitiva, recorrer ao regime de conceção-construção, hoje consagrado como excecional e de âmbito claramente (e bem) restringido. E por que razão? Possibilitar “a eliminação de dispêndios de tempo e recursos desnecessários, por parte da entidade adjudicante, nos casos em que esta considere que o mercado está em melhor posição de elaborar um projeto de execução de determinada obra, concluindo que tal prerrogativa concorrerá para uma pretendida agilização procedimental”.
Já o referimos anteriormente: somos sensíveis à questão do tempo, ditada pela urgência que o país defronta para a concretização do PRR, mas não antevemos como tal pode justificar transpor para o Código de Contratos Públicos uma solução que, assim, se apresenta como definitiva. E entendemos que a desburocratização e flexibilização não podem justificar preterir os mecanismos que melhor protegem o interesse e os recursos públicos. Ora, a solução que se apresenta é especialmente gravosa e fortemente limitadora do acesso à encomenda de projeto, sendo preteridos serviços de dezenas de milhares de projetistas – arquitetos e engenheiros – em favor de construtoras de maior dimensão e de maior capacidade técnica e financeira.
Já o havíamos afirmado: o projeto não é um dispêndio desnecessário, é um investimento elementar na boa aplicação do dinheiro público. Através da solução que agora se discute, abre-se a porta, mais do que à simplificação e à eliminação de tempos e recursos desnecessários, à própria extinção de procedimentos, e fecham-se as janelas à transparência e livre concorrência.
Insistimos na defesa da solução que separa a atividade de projeto da atividade da construção e da preservação do livre acesso de projetistas à encomenda de obra pública.
Com a proposta que agora se apresenta não descortinamos qualquer passo em frente no que toca ao bom uso dos dinheiros públicos e combate à corrupção. Não resulta evidente qualquer contributo efetivo para uma melhor atuação da administração pública, nomeadamente quanto à sua eficácia. Não se vislumbra que se assegure um benefício efetivo para a generalidade dos trabalhadores de toda a fileira económica da construção, mas apenas e tão só para alguns (poucos) dos seus atores. Não resulta qualquer contributo para o incremento da capacitação e futura competitividade – nomeadamente internacional – da mesma fileira económica. Não se antecipa que resulte numa contribuição positiva para a paisagem do país e, nessa medida, para a futura qualidade de vida dos portugueses.
Cabe à Ordem dos Arquitectos assegurar a salvaguarda do interesse por um correto ordenamento do território, por um urbanismo de qualidade, pela defesa e promoção da paisagem, do património edificado, do ambiente, da qualidade de vida e pelo direito à arquitetura. Entendemos que a redação do Projeto de Decreto-Lei DL 32/XXIII/2022 é
francamente lesiva do interesse público por uma arquitetura de qualidade, qualidade essa que o legislador propõe passar a desconhecer, pois a escolha do melhor projeto que serve o interesse público não será, em primeira instância, feita pelo Estado.
Celeridade e flexibilização, que reclamamos há muito, não podem ser sinónimos de irresponsabilidade na contratação pública e no bom uso dos recursos públicos. Simplificação e desburocratização não podem ser sinónimos de desresponsabilização, pelo que não devemos olhar para o projeto como um dispêndio de tempo e dinheiro, mas antes como um investimento na qualidade e na sustentabilidade do processo construtivo. Deixar todo o processo a cargo das empresas de construção terá um custo posterior de difícil avaliação, mas que se adivinha elevado para o interesse público.
Assim, pronunciamo-nos para que o Projeto de Decreto-Lei seja alterado em favor de uma redação que garanta o interesse público por uma arquitetura de qualidade e mantenha as condições de livre acesso de projetistas à encomenda de obra pública.
Em síntese, a Ordem dos Arquitectos será sempre um parceiro da simplificação de processos para uma contratação pública mais célere e eficaz e entendemos que existem formas de aproximar projetistas e construtoras em processos colaborativos na construção de uma obra pública de qualidade, mas esse caminho não pode abrir mão dos mecanismos de transparência e concorrência fundamentais para o bom funcionamento do mercado, do processo construtivo e do interesse dos cidadãos, que todos devemos defender.