O estado inicial do edifício resultava de uma sucessão de intervenções, contudo, o seu somatório acabou por desvirtuar e descaracterizar o imóvel.
Pretendeu-se neste projecto Casa da Rua São Félix, ampliar o edifício adequando-o às necessidades de uma família numerosa e, ao mesmo tempo, promoveu-se a sua requalificação ao nível dos seus espaços interiores, da sua volumetria, do seu logradouro e da sua inserção urbana.
A ampliação foi assumida desde o início como intervenção contemporânea de caracter autónomo face à preexistência setecentista. Esta opção ditou parte do desenho da fachada, sendo a ampliação enquadrada por elementos metálicos. Construtivamente, a ampliação do piso é uma estrutura ligeira, executada com paredes exteriores em estrutura de aço leve e isolamento térmico pelo exterior, com cobertura em estrutura mista de madeira e vigas de aço, telha de canudo e clarabóia revestida a zinco.
A ampliação é enquadrada por vigas metálicas de modo a garantir a sua autonomia face ao existente. Contudo não se pretendeu que esta solução seja elemento dissonante, mas que se assuma como complemento do existente, através da métrica das fachadas originais, com a sua regra de composição.
No edificado do Bairro e na fachada original constatou-se que a altura dos vãos entre o rés-do-chão e o primeiro andar aumentava, sendo esta peculiaridade assumida no desenho da ampliação, pretendendo-se deste modo reforçar a integração da proposta, quer no existente, quer no seu enquadramento urbano.
Ainda para reforçar este sentido de integração com o existente, da viga metálica inferior da ampliação existem três novas varandas em pedra lioz. Esta é uma situação que procura criar um momento de diálogo entre o desenho contemporâneo e as tradicionais varandas desta zona da cidade. A tardoz, procura-se o mesmo tipo de linguagem, onde a solução assenta numa só varanda com dois vãos. Os vãos seguem a métrica da fachada.
Procura o projecto clarificar a estrutura funcional, espacial e volumétrica do edifício, promovendo uma relação harmoniosa entre as diferentes partes que o compõem.
Para o efeito respeitou-se a estrutura funcional e estrutural do edifício, procurando desse modo minimizar as alterações, enfatizando nas intervenções propostas as potencialidades do imóvel. Grande parte do projecto consistiu no desmantelamento das ampliações construídas, nomeadamente a marquise envidraçada, as casas de banho exteriores e o acrescento do primeiro piso.
Deste modo voltamos a repor as condições do lote de iluminação e ventilação, ao mesmo tempo que qualificamos a fachada tardoz e promovemos a integração do logradouro com a estrutura da habitação. Esta alteração veio permitir que o logradouro seja vivido como parte integrante da habitação, deixando de ter o carácter precário e inóspito que tinha antes da intervenção, ao mesmo tempo que preservamos uma pré-existência, o lajedo de calcário, qualificando com a memória do edificado o logradouro.
Pretendeu o projecto que o logradouro recupere a sua função ecológica, ou seja, que este deixasse de ser uma superfície impermeável e passasse a ser uma superfície permeável inserida nos sistemas naturais de drenagem da cidade.
Pretendeu ainda o projecto requalificar o imóvel ao nível da sua integração urbana e ambiental, promovendo para o efeito o tratamento da fachada tardoz.
Deste modo a integração urbana é assumida como um compromisso sério e ético, pois neste projecto ela não se resume à fachada principal, mas também se prolonga ao interior do quarteirão. No interior mantém-se a caixa de escada inalterada e respeita-se a estrutura interna da edificação, adaptando-se o novo piso à essência do existente.
A cobertura foi construída com uma estrutura mista de perfis metálicos, barrotes de madeira e vigas de cintura em betão armado.
A adopção desta solução permitiu uma construção, simultaneamente leve e resistente, evitando sobrecargas que ponham em causa o sistema construtivo do imóvel e promovendo o seu update em termos de eficiência térmica.
Nos pisos inferiores foram realizados reforços estruturais utilizando perfis de aço de modo a reforçar a integridade do edifício, permitindo as alterações interiores e reforçando a sua resistência sísmica.
Esta intervenção não se centrou na introdução de novos elementos construtivos, a estratégia da intervenção deu primazia ao reaproveitamento geral de todos os elementos construtivos existentes, privilegiando a sua reparação, preservando o seu carácter interior e, ao mesmo tempo, procurou-se criar uma habitação que retrate de um modo harmonioso a complexidade de um edifício com história e complexidade.
No fundo foi esse palimpsesto de sucessivas intervenções que procurámos clarificar, criando ambientes propícios à felicidade da família que o vai habitar. No fundo, esforçamo-nos por cumprir o papel do Arquitecto, pois como dizia Fernando Távora: “Que seja assim o arquiteto – homem entre os homens – organizador do espaço – criador de felicidade”.
Projeto
Casa da Rua São Félix
Localização
Rua de São Félix, Lisboa, Portugal
Arquitetura
Borges de Macedo Arquitetura
Arquiteto Responsável
Filipe Borges de Macedo Arq.
Projecto de Estabilidade
Pedro Viegas, Eng.
Projectos de Águas, Esgotos, Segurança e Térmica
Joaquim Jerónimo, Eng.
Projectos de eletricidade e comunições
Eng. João Garvão Sinfrónio, Eng
Ano
2019