Reabilitação da Quinta do Bom Pastor

Categorias: Religiosos

ENQUADRAMENTOS

 

A freguesia de Benfica consistiu, desde o séc. XVII, área de quintas de veraneio, residências de campo e palácios. No séc. XVIII, com o arranque dos trabalhos do Aqueduto das Águas Livres, tornou-se também zona de crescente ocupação e renovação.

Embora a primeira referência à Quinta da Buraca remonte a 1712, foi apenas na 2ª metade do séc. XVIII que se configurou o actual conjunto edificado, constituído por casa nobre, estruturas secundárias, jardim de buxo e casa de fresco. Nos séculos que se seguiram, uma sucessão de proprietários contribuiu para a consolidação do conjunto – destacando-se Bernardo António da Silva, em cujo tempo foram executados os três grandes painéis monocromos da Real Fábrica do Rato (c. 1780), a escadaria trompe l’oeil e a pintura do tecto da casa de fresco. Foi também local de passagem de personalidades importantes, como Almeida Garrett e a infanta D. Maria Amélia, filha do rei D. Pedro IV.

A denominação “Quinta do Bom Pastor” surge após a ocupação de João António Lopes Pastor – a sua integridade e solidariedade ficaram registadas na toponímia.

Já no séc. XX, a Quinta é comprada pela CML que a vende, apenas dois anos depois ao Patriarcado de Lisboa. Nos anos 60 inicia-se a construção da Casa de Retiros (actuais instalações da Rádio Renascença), e o Palacete converte-se em residência do Cardeal Manuel Cerejeira até à sua morte, em 1971.

O conjunto edificado é formado pela justaposição de vários corpos, delimitando pátios de transição.

O edifício central situa-se à face da estrada da Buraca, desenvolvendo-se em dois pisos. É secundado por um corpo longitudinal secundário, formando, com o edifício do lagar, o pátio central de entrada. A sul situa-se o pátio de serviço, rebaixado em relação ao caminho de ligação com a Quinta. A nascente do edifício nobre estende-se o jardim de buxo, decorado com fonte e pórtico “embrechados”, e a parte da Quinta que permanece com carácter agrícola, pontuada pela casa de fresco.

O edifício é constituído por paredes resistentes em pedra e estruturas secundárias em madeira. Fruto de uma sequência de intervenções avulsas é possível observar em vários locais a existência de lajes de piso em betão. O corpo do lagar distingue-se dos restantes pelo tecto em abóbadas e arcos de tijolo, sobre as quais se desenvolve uma cobertura em terraço rematada pelo grande painel de azulejo da Fábrica do Rato.

O levantamento estrutural e infraestrutural, realizado pela equipa coordenada pelo Professor Aníbal Costa, permitiu reconhecer o sistema construtivo e diagnosticar as principais anomalias – decorrentes, principalmente, de infiltrações pontuais e da falta de uso (deficiente ventilação e manutenção).

PROJECTO
Programa e valores identificados

O programa para a sede da Conferência Episcopal Portuguesa é um programa de serviços extenso, diversificado e complexo. Para além do Secretariado Geral, com funções de gestão/coordenação, integra um conjunto alargado de Secretariados Nacionais e Pastorais, necessitando de um grande número de salas (55 postos de trabalho), salas de reunião e abundante espaço de arquivo. Integra também a Agência ECCLESIA, agência de informação da Igreja Católica em Portugal, com exigências particulares – nomeadamente em termos de infraestruturas de telecomunicações, espaços de gravação áudio e de edição áudio/vídeo.

No piso principal do edifício central situa-se o Secretariado Geral, rodeado pelos secretariados, que se distribuem pelos 3 pisos, tirando partido, quase na totalidade, da compartimentação e elementos decorativos pré-existentes (nomeadamente os tectos, pavimentos e vãos interiores em madeira) do edifício original. No terceiro piso, de construção posterior, existiam dois alojamentos independentes, que foram integralmente abertos para instalação dos serviços. Na ala poente do conjunto instalou-se a Fundação Fé e Cooperação e no antigo lagar a Agência ECCLESIA.

Os corpos secundários, com menor qualidade arquitectónica, construtiva e decorativa, apresentavam uma compartimentação desadequada, que não permitia a interligação entre as várias alas do edifício. Optou-se neste caso pela demolição do seu interior, nivelando cotas de pavimento e removendo os tectos planos sob a estrutura de madeira da cobertura em excelente estado de conservação – tirando-se assim partido de todo o seu volume interior.

Na interligação entre o corpo central e os corpos secundários situam-se a área de recepção/espera e os espaços comuns – biblioteca, bar, instalações sanitárias e salas de reuniões gerais, assim como o elevador, essencial para a utilização intensiva e acessível a todos.

Estratégia de integração das exigências de infraestruturas e conforto

O programa a instalar e o tipo de utilização exigiam uma grande carga infraestrutural, que importava introduzir preservando a integridade da pré-existência. Simultaneamente, havia a necessidade de garantir o correcto funcionamento higrotérmico do edifício, corrigindo as causas das anomalias e introduzindo isolamento nas coberturas.

As anomalias decorrentes de humidade em paredes enterradas foram corrigidas através da execução de drenagem periférica em toda a ala nascente/sul do edifício, associada a um sistema de ventilação da base das paredes, permitindo preservar os painéis de azulejos pombalinos existentes no piso térreo do edifício nobre.

Todas as soluções foram dimensionadas espaço a espaço, caso a caso, tendo em conta a função, número de utilizadores, orientação solar, fenestração, inércia térmica, carga térmica… – um princípio de conforto adaptativo ou reabilitação adaptativa que sempre temos presente como forma de minimizar a intrusividade das soluções.

Num intenso e cuidado trabalho conjunto entre a consultoria higrotérmica do Prof. Vasco Freitas e dos projectistas de AVAC (Eng.º Raul Bessa), foi integrado um sistema de ventilação e climatização conciliando uma admissão de ar natural associada aos equipamentos de ar condicionado com extracção mecânica em pontos estratégicos (como, por exemplo, instalações sanitárias), para reduzir a intrusividade nas soluções de aquecimento e renovação do ar.

Conservação e restauro

Tratando-se de um conjunto que teve intervenções ao longo de vários séculos também ao nível dos elementos decorativos, importou primeiramente identificar os valores a preservar, de tempos distintos como consequência dos diversos proprietários. Referimo-nos por um lado aos elementos originais do edifício como cantarias e balaustradas em pedra e gradeamentos em ferro mas também a uma sucessão de intervenções decorativas – os painéis de azulejos decorativos (interiores e exteriores), a fachada de azulejos relevados voltada para o jardim de buxo, os “embrechados” e os frescos no tecto do pavilhão/casa de fresco.

De forma a manter a integridade dos elementos decorativos procurou-se uma reintegração recorrendo, o mais possível, a materiais idênticos aos existentes, e evitando a remoção de materiais ou elementos passíveis de tratamento.

O processo passou ainda pela identificação das anomalias existentes e execução de sondagens in situ (incluindo estratigrafia). A análise integral do edifício – e não apenas das áreas com elementos decorativos a restaurar – permitiu obter informações muito relevantes acerca da paleta de cores original, dando o mote para a escolha da cor das fachadas e caixilharias.

A Quinta

A intervenção nos espaços exteriores seguiu a mesma metodologia dos edifícios – diagnosticando valores e observando as premissas do Plano de Pormenor do Calhariz, foram requalificados muros e caminhos, mantendo sinais da sua matriz rural. Em novas plantações foi dada preponderância a espécies agrícolas e cobertura do solo com espécies herbáceas em detrimento de relva, e foram mantidas as áreas existentes de horta.

Os caminhos de carácter mais rural foram mantidos em terra/saibro, distinguindo-os dos percursos de acesso ao edifício que são em calçada de granito.

Fora desta matriz, o jardim de buxo foi também requalificado – não apenas em termos de consolidação da massa arbustiva mas também complementando com a introdução de novas herbáceas e restauro de muros e embrechados.

A intervenção num conjunto como a Quinta do Bom Pastor, fruto de diferentes épocas e usos, obriga a uma avaliação de valores circunstanciada à natureza concreta de cada edifício pré-existente, ao potencial da sua interligação e ao inevitável usufruto da qualidade paisagística envolvente. Lembrando Fernando Távora, concluímos que em projecto, com estas circunstâncias, há “lições permanentes que o passado garante ao futuro [de um]…continuar-inovando, num movimento constante de modificação para melhores condições, mas respeitando os valores positivos que porventura possam existir e que não deverão, portanto, ser destruídos… [onde] as soluções para cada caso, vão desde a simples beneficiação à demolição e construção total.”

Vídeo

Tic, Tac, Tic, Tac…

“Dizem que o tempo não volta atrás… e se … e se tempo voltasse atrás?”

O vídeo “TEMPO: Reabilitação da Quinta do Bom Pastor”, realizado pela Building Pictures, retrata o processo de reabilitação da Quinta do Bom Pastor, transformada em Sede da Conferência Episcopal em Portugal, projecto do Arquitecto Nuno Valentim.

A história do vídeo começa com a quinta já reabilitada. Somos confrontados com a pergunta: “E se o tempo voltasse atrás?” e o vídeo desenvolve-se contrariando o velho ditado português, convidando o espectador a fazer uma viagem no tempo, pelo processo construtivo até ao momento em que o edifício estava em ruínas. No final, a passagem do comboio traz-nos novamente para o presente e leva-nos a conhecer mais sobre o projecto reabilitado.

O vídeo conta-nos também, a história de uma quinta marcada por diferentes tempos, que existe desde o séc. XVII, integrando actualmente a Sede da Conferência Episcopal Portuguesa, constituído no seu interior por diversos Secretariados Nacionais e Pastorais e, também, a Agência ECCLESIA (Agência de Informação da Igreja Católica em Portugal) e a Fundação Fé.

A quinta é ladeada por um enorme muro laranja que abraça um conjunto de diferentes espaços: o edifício principal, dois pátios, um jardim, um lagar e uma horta comunitária. De destacar a existência de uma capela localizada na horta, que em tempos foi casa dos espelhos e que ainda mantem no teto o fresco original, com temas campestres.

No fim do vídeo, ouvem-se novamente os ponteiros do relógio, simbolizando a continuidade da vida do edifício.

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FICHA TÉCNICA

Projecto

TEMPO: Reabilitação da Quinta do Bom Pastor

 

Localização

Lisboa, Portugal

Ano

2014-2016

Obra
2016-2017

Área
1.465 m²

Área envolvente intervencionada
900 m²

 

Dono de Obra
Conferência Episcopal Portuguesa

Arquitectura
NUNO VALENTIM, ARQUITECTURA | REABILITAÇÃO, LDA
Nuno Valentim, Margarida Carvalho

Vídeo
Building Pictures

Relatório de Inspecção e Diagnóstico, Projecto de Estabilidade e Infraestruturas Hidráulicas

GEPECTrofa

Prof. Aníbal Costa, Rossana Pereira

Projecto de Infraestruturas Eléctricas, Telecomunicações e Segurança
RAUL SERAFIM & ASSOCIADOS
Raul Serafim, Vasco Sampaio, Maria da Luz Santiago

Projecto AVAC
GET – Gestão de Energia Térmica
Raul Bessa, Ricardo Carreto

Projecto de Comportamento Acústico e Consultoria Higrotérmica
Prof. Eng.º Vasco Peixoto de Freitas

Consultoria de Conservação e Restauro
António Vasques

Projecto de Arquitectura Paisagista
PAISAGEM ILIMITADA
Cristina Marques

Construtor
AOF – Augusto Oliveira Ferreira
Filipe Ferreira, Belmiro Xavier, Ana Varajão

Fiscalização
RPR – Rui Prata Ribeiro
Alfredo Cruz, Manuel Correia, Cláudia Alves, Rita Pereira, Carlos Leal

Fotografia
Building Pictures

 

CRÉDITOS VÍDEO

Direção & Produção

Building Pictures

Direção de Fotografia

Sara Nunes

Pós-produção

Sara Nunes

Soundtrack

Bruno Ferreira

Voz-off

Inês Henriques

2018 | 3’49” | 16:9

 

FOTOGRAFADO POR
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