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Vazio de que perspectiva? Os vazios urbanos têm um grande valor ambiental, social e económico, e podem ser geradores de redes de espaços intermediários de transição e cooperação. Importa reconquistá-los.
É comum depararmo-nos nas cidades com espaços abandonados. Nas últimas décadas, práticas de urbanização têm conduzido a um crescimento descontínuo das áreas urbanas deixando vários terrenos sem ocupação, estruturas industriais desativadas ou edifícios habitacionais em ruína.
Os denominados vazios ou vagos urbanos são vistos como promotores de degradação das práticas sociais e culturais dos nossos bairros. No entanto, estes representam para o arquiteto Solà-Morales “a relação entre a ausência de uso, de atividade e o sentido de liberdade e de expectativa”. A oportunidade para repensar, reutilizar e revitalizar a cidade. Isto é, (re)desenhar a mudança e a transformação.
Os vazios urbanos têm um grande valor ambiental, social e económico, e podem ser geradores de redes de espaços intermediários de transição e cooperação. Quando assentam em estratégias de construção coletiva com o poder público, no desenvolvimento de cidades mais resilientes e sustentáveis, conseguem ter um papel primordial no bem-estar da população de maneira a facilitar a sua vivência e qualidade urbana.
Em Portugal, a discussão sobre o futuro destes espaços tem sido desenvolvida numa articulação entre a investigação das universidades e as comunidades locais, a fim de implementar um conjunto de práticas inovadoras e sustentáveis de longo prazo.
Em Lisboa, o projeto NoVOID apresenta um conjunto de propostas assentes em novas apropriações e práticas urbanas de usos transitórios orientadas por critérios de flexibilidade, multidimensionalidade e baixo custo. Os autoresdesafiam os arquitetos a entender como podem esses espaços ser aproveitados em prol da construção de um projeto de cidade mais inclusiva, biodiversa, sustentável e plural. Tal premissa remete para uma assemblagem sócio-tecno-natural, onde humanos e não humanos interagem e coproduzem relações e efeitos.
No mesmo sentido, o projeto URBiNAT no Porto, entende que os espaços urbanos vazios ou comuns, que não estão a ser utilizados, podem tornar-se o elo de ligação entre diferentes áreas da cidade, contribuindo assim para evitar a segregação e promover a coesão social e urbana.
O objetivo é a criação de corredores saudáveis centrados no bem-estar dos cidadãos, resultado de discussões com a comunidade local sobre energia, água, alimentação, natureza, mobilidade e economia solidária. O projeto faz parte de uma diversidade de ambientes urbanos da Comunidade das Cidades URBiNAT, que permite testar soluções em diferentes contextos, a fim de alcançar processos de replicação.
Ambos os projetos pretendem contrariar a inevitabilidade do abandono, testando e gerando coletivamente novas formas de ver e viver a cidade. Em suma, os vazios urbanos podem desempenhar um papel vital na promoção de uma regeneração urbana inclusiva, integrando a abordagem ambiental e social, através do processo de cocriação. É, pois, necessário reconquistar estes vazios nas nossas cidades.
Artigo publicado no © Jornal Económico . Artigo de Opinião de Alexandra Paio, Docente do ISCTE-IUL