Casa na Comporta

Inserida num terreno singular da Comporta, onde pinhais densos e sobreiros esparsos se combinam sobre solos arenosos, esta residência em “L” proposta pela SabraB Architecture emerge como um elemento moderno que, simultaneamente, respeita e dialoga com a paisagem natural. O desenho em “L” articula-se com o relevo suave do terreno, criando um pátio central que, como um refúgio, se abre para a sequência de pinheiros-das-bancadas e sobreiros centenários. As copas verticais dos pinheiros recortam-se contra o branco nítido da alvenaria, enquanto os troncos irregulares dos sobreiros lançam manchas de sombra que migrarão ao longo do dia, imprimindo à casa uma coreografia de luz e penumbra.

À chegada, o alpendre voltado a sul–sudeste funciona como um filtro entre interior e exterior. Aqui, o cantaria das agulhas de pinheiro e o aroma terroso dos sobreiros constroem uma memória sensorial que antecede o contacto visual com o interior. A forma em “L” protege a entrada principal dos ventos vindos do estuário, criando um abrigo caloroso para o hall, cujo pavimento em tábua de madeira rústica se prolonga discretamente até à futura piscina. Na fachada poente, as grandes portas de vidro retráteis permitem que, durante o verão, a sala de estar se prolongue para o terraço, difundindo-se a convivência para o adro de areia ornamentado por arbustos selvagens e relvados de plantas adaptadas ao clima mediterrânico.

O bloco central concentra as áreas de convívio: cozinha, sala de jantar e sala de estar fluem num único espaço contínuo, marcado por uma generosa abertura envidraçada voltada para o pátio interno. A cozedura do sol poente, filtrada por brises verticais em madeira oleada, revela choques sutis de sombra sobre o piso em cimento queimado claro. Esse pátio interno, abraçado pelos volumes perpendiculares do “L”, assume-se como um núcleo de microclima: em torno de um pequeno jardim arbóreo, ciprestes-italianos e medronheiros temperam o calor do meio-dia, enquanto percursos em placas de pedra local instigam descobertas – uma pequena espreguiçadeira oculta, um banco embutido em alvenaria pintada de branco ou um recorte que enquadra a copa prateada dos sobreiros próximos.

Voltada a nascente, a ala íntima organiza-se em três suítes consecutivas, cada uma com acesso direto a uma varanda que recebe o nascer do sol filtrado pelos troncos do pinhal. Os beirais alongados e as pérgolas de madeira tratada protegem as janelas, evitando o sobreaquecimento matinal e criando um jogo dinâmico de luz rasgada contra as paredes brancas. Cada quarto abre-se para um terraço estreito, onde pequenos vasos com ervas aromáticas – alecrim, tomilho e lavanda – fazem a ligação entre o interior e a paisagem semidomesticada, transportando para dentro o cheiro resinento dos pinhais e o eco distante das noites frescas da Comporta.

Na extremidade oposta do “L”, a suíte principal e o escritório revestem-se de uma calma absoluta. Aqui, o sobreiro mais próximo parece estender a sua copa sobre o volume construído, criando uma sombra generosa que envolve o quarto principal numa penumbra suave durante as tardes de verão. O escritório, com abertura generosa para o pinhal, assume-se como um mirante intimista, onde a vegetação parece aproximar-se através de uma lente verde, incentivando a concentração criativa sem isolar o habitante do pulsar da natureza. Dois terraços zenitais pontuam a cobertura plana, um para meditação ao amanhecer, com vista a olhares diagonais sobre as copas, e outro para refeições ao entardecer, onde a luz quente do sol poente pulsa entre as pinhas de resina.

O pátio central, com a sua piscina disposta longitudinalmente, transfigura-se num espelho d’água que reflete a copa dos pinheiros e, nos dias mais calmos, reproduz a silhueta ondulante dos sobreiros. Degraus de madeira, bancos embutidos em alvenaria e esculturas de cerâmica – produzidas por artesãos locais – pontuam o perímetro da piscina, criando uma sequência de estações: do sol pleno de fim de tarde ao recanto sombreado sob a copa protetora de um sobreiro. A vegetação de restinga, mantida quase intocada, surge entre as pedras, compondo uma tapeçaria selvagem que envolve a casa, conferindo-lhe o estatuto de mirante discreto, em permanente mutação conforme as estações.

Em conjunto, o projeto afirma-se como uma morada que combina a sobriedade formal típica do minimalismo contemporâneo com uma presença orgânica. O volume branco em “L” não impõe a paisagem; antes, deixa-se permear pelas texturas do pinhal e pelos contornos robustos dos sobreiros. Cada abertura, cada rasgo de brise, cada transição de plano tem como propósito intensificar a experiência sensorial de estar entre árvores que respiram, de caminhar sobre dunas firmes e de sentir o sopro suave do Atlântico. Desta forma, a residência na Comporta celebra o equilíbrio entre a arquitetura modernista e o “wild charm” dos pinhais e sobreiros, convidando quem a habita a tornar-se parte dessa paisagem viva.

 

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FICHA TÉCNICA

Projeto

Casa na Comporta

Localização

Comporta, Portugal

Arquitetura

Sabrab Architecture

Engenharia

Sabrab Engineering

Construção

Sabrab

Design interiores de mobiliário – paisagismo

Cassia Bardoe

Fotografias

Laura Deus Photolab

Ano

2025

 

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