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A obra do Arq. Chorão Ramalho na Madeira | parte 01 | Edifício da Caixa de Previdência do Funchal | 1960–1967
(…) Depois do Funchal ter passado por dois grandes ciclos económicos; o do açúcar e o do vinho, a cidade assume uma nova referência turística internacional. (…) A cidade modernizava-se, apoiando-se no “Plano Geral de Melhoramento do Funchal”, do arquitecto Ventura Terra, elaborado em 1915; Rasgava-se a cidade com amplas Praças e Avenidas, Parques, Jardins e Bairros; embelezava-se com estátuas e edifícios da autoria de criadores de renome, tais como: Francisco Franco, Anjos Teixeira e Lagoa Henriques na escultura, Raul Lino, Edmundo Tavares, Óscar Niemeyer e Chorão Ramalho, na arquitectura.
J. G. Faria da Costa; “Estudo de Remodelação da Zona Marginal da Cidade do Funchal”, 1 de Agosto de 1945, Câmara Municipal do Funchal, cota 801, processo n.º 37.
Foi certamente um dos arquitetos com obra mais importante e mais vasta a moldar este nosso território da Madeira. Chorão Ramalho deixa-nos muito. Poderíamos falar da moderna ampliação da nossa assembleia regional, do edifício da Blandy, da empresa de eletricidade e de muitas mais. Mas hoje gostaria de falar do edifício da Caixa de Previdência do Funchal, até há pouco tempo o mais alto edifício do Funchal e certamente um exemplo de como tirar partido da topografia e de como projetar um prédio tao impactante quanto elegante. Quem por lá passa não se apercebe do impacto que teve na nossa cidade. Talvez porque na nossa memoria sempre esteve lá. Podemos habitar uma cidade uma vida inteira, percorrendo por entre a sua história viva, feita de praças, ruas, jardins e edifícios e nunca nos apercebermos da riqueza que nos rodeia. A tendência generalizada vai ao encontro da valorização da novidade feita de modismos e artificialismos. No entanto, vivemos numa cidade que é rica na sua história e marcada desde sempre por obras da maior valia, criadas por grandes autores como foram os casos enumeradas no texto de abertura. De todos, é incontornável falar de Chorão Ramalho, pela obra que tem no Funchal, e pela importância e significado que ela representa para a cidade.
Nascido em 1914, no Fundão, e falecido em 2001, conclui o seu curso na Escola de Belas Artes do Porto em 1947, iniciando a atividade um pouco antes do primeiro congresso nacional de arquitetura, cujo resultado tem um impacto significativa na arquitetura moderna portuguesa que se viria a seguir.
Para escrever sobre Chorão Ramalho e a sua significativa obra no Funchal, é necessário recuar mais de 50 anos, para a altura em que os modelos nacionalistas ainda imperavam. Contrariando esta linguagem vinculada politicamente ao Estado Novo, Chorão Ramalho desenha com liberdade, dando grande atenção aos aspetos funcionais, mas também formais, afirmando uma arquitetura depurada, que recusa o ornamento, o qual é entendido como artifício desnecessário. Esta atitude é suportada por uma seriedade ética e profissional irrepreensível, e um conhecimento das questões técnicas, de programa e de funcionamento.
O rigor no seu trabalho, o detalhe cuidado, a consistência de toda a sua obra, elegem-no como um dos grandes arquitetos do seu tempo, e elevam a cidade do Funchal que enriquece o seu património através da obra que o arquitecto aqui executou.
Apesar de ter trabalhado sempre com programas diversificados, o seu trabalho fica marcado por um conjunto de valores que são comuns em toda a sua obra, e que a cidade do Funchal pode testemunhar através dos inúmeros edifícios que ficam para sempre, como a Assembleia Regional da Madeira, a Central Térmica do Funchal (mais conhecida como “Casa da Luz”) ou o conjunto da Caixa de Previdência do Funchal.
Esta ultima obra, composta por serviços de saúde e administrativos e também habitação, desenvolve-se ao longo de uma torre de 14 pisos que assenta numa plataforma que marca uma transição suave com a malha envolvente.
O edifício da caixa de previdência do Funchal é ainda hoje um símbolo de modernidade na cidade do Funchal. Apesar da sua grande volumetria, encontra-se implantado de forma tranquila, adoçando-se ao território original, mas mantendo muitos anos volvidos uma atualidade que a cidade soube respeitar.
Este edifício interessa particularmente, não só pelo seu valor enquanto conjunto arquitetónico, mas também pela discussão que a construção em altura ainda suscita. Não deixa de ser curioso lembrar que há 50 anos já se executassem edifícios que continuam sendo os mais altos que a cidade do Funchal tem para oferecer, e que hoje esta questão continue a ser tão polémica, sinal também do nosso conservadorismo relativamente a uma solução que foi utilizada sem complexos por Chorão Ramalho, nesta mesma cidade, há 5 décadas atrás.
Por aqui se percebe que a modernidade da intervenção do arquiteto não se encontra compartimentada temporalmente, mas antes perdura no tempo. Chorão Ramalho representa o que de melhor a arquitetura tem para nos oferecer: a sua intemporalidade.
Artigo de Opinião de Bruno Martins . Arquiteto de profissão, investigador, foi ainda Vereador na Câmara Municipal do Funchal, com os pelouros do urbanismo, planeamento, reabilitação e mobilidade